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Mensagem: A nostalgia e o mito
Maria Helena Sansão Fontes
Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ
Resumo
Leitura de Mensagem de Fernando Pessoa, a partir da inscrição simbólica do mito do Sebastianismo. Refaz-se o percurso do texto poético para mapear a busca ontológica de Pessoa pelo sentido da existência, através da convocação para a luta do povo imerso na melancolia do sonho desfeito, cingido no passado de glórias de Portugal.
Palavras-chave: mito; nostalgia; nacionalismo.
Abstract
A reading of Fernando Pessoa’s work Mensagem (Message), by taking the symbolic inscription of the Sebastianism myth as a starting point. The course of the poetical text has been retraced in order to map up the author’s ontological search for the meaning of existence, through the call to fight, with which Pessoa attempts to minimize the portuguese people’s frustration, caused by their unfulfilled dream.
Palabras clave: myth;
nostalgia; nacionalism.
O sonho de grandeza de Portugal terá sempre sua razão de ser nas conquistas
e nos feitos valorosos dos portugueses, imortalizados por Camões, que
já pressentira os infortúnios da depressão que assolaria Portugal. Os
Lusíadas, sem dúvida, consagraram meritoriamente uma era, a era
em que se podia falar de saudade, como um sentimento que se alia ao amor,
à ausência do ser amado, às despedidas; um sentimento que se torna urgente
diante do mar, metáfora da separação, mas também das glórias advindas
das grandes navegações. Mas falar de nostalgia, como sentimento coletivo
depressivo e conseqüência de uma perda inexorável, só após o desastre
de Alcácer Quibir. Nostalgia é um sentimento que conduz à paralisia, à
fixidez do olhar no ponto da perda e, portanto, ao passado. É um estado
de inação que impede o olhar saudável ao presente e paralisa o movimento
para o futuro. Viver da nostalgia é estagnar.
Quando Fernando Pessoa escreveu a Mensagem, ou seja, organizou os poemas avulsos para formar o grande poema épico moderno, ele ensaiou várias vezes o título definitivo a ser dado ao poema que primeiramente se chamaria Portugal. A expressão latina Mens agitat molem (a mente move a massa), usada por Virgílio no início de um verso da Eneida, não é gratuitamente rasurada para, após a supressão de algumas letras compor o nome Mensagem. A busca minuciosa de Pessoa pelo título adequado é aferida de um exame meticuloso dos morfemas formadores da palavra que se vai carregar de símbolos à medida que se lê o poema.
A mente, para Pessoa, é o que controla a criação do poeta-fingidor (O
que em mim sente ’stá pensando”). Na Mensagem, a
poesia visa a movimentar a grande massa que é o povo português. Pessoa
reatualiza o mito presente no inconsciente português, no qual ele se insere,
e o lança como chama para o futuro, para o devir. A busca pessoana que
se inscreve nessa epopéia não o faz contraditório, nem o
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torna diferente do Pessoa ortônimo ou dos heterônimos, máscaras literárias que convergem para a mesma demanda do Conhecimento, do sentido último da existência. Assim Eduardo Lourenço expõe essa questão da impossibilidade da relação de Fernando Pessoa com o mundo:
Sob um modo mais reservado, simbólico e simbolista, a mesma angústia, acompanhamento inevitável da infelicidade original da consciência, encontra o seu lugar natural em Pessoa “ele-mesmo” sem que se possa dizer que os outros (o conjunto da poesia heteronímica) sejam meros avatares ou modulações desta poesia de sujeito não-fictício. Toda a poesia de Fernando Pessoa é, de imediato, poesia do conhecimento, tanto a heterónima como a ortónima. Não é da relação da consciência ingénua do mundo que ela fala, mas desde a origem da impossibilidade dessa relação, quer dizer, da condição abissal do próprio acto de ser consciente. (LOURENÇO, 1993, p.61)
Fernando Pessoa inaugura desde as palavras do “Pórtico” uma visão-de-mundo que se inscreve sob o lema “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Esse leitmotiv, subjacente a cada poema da Mensagem, reitera-se como um fio condutor e aquece-se de versos que a todo momento renovam o seu significado como uma constatação existencial de que se nutre o poeta, na sua ânsia pela busca dos sentidos que lhe justifiquem a própria existência: “Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.” (PESSOA, 1990, p.15)
Assim, convencido desse propósito, o poeta da Mensagem estrutura o poema de maneira a revalidar a cada instante esse pensamento,
como se em sua evocação poética conclamasse o povo português a sair do
desânimo em que mergulhou por sua fixidez mítica e ir à luta. Entretanto,
nesse mergulho no mito, que nada mais é que a nostalgia de um passado
de glórias, Pessoa também se inclui. Esse nacionalismo que ressuma no
grande poema formado de poemas é uma maneira encontrada pelo autor de
empreender a mesma busca que reside em cada um dos heterônimos, bem como
no Fernando Pessoa “ele-mesmo”, e que é a busca das respostas e de sentidos,
em síntese, uma busca existencial.
Ao inscrever os heróis que se sacrificam pelas glórias de Portugal nos
Campos do Brasão, várias são as reverberações que apontam para a oposição
viver/navegar, situando no viver as limitações do cotidiano do homem,
na vidinha acomodada e efêmera, em oposição ao navegar que implica criar,
imortalizar-se, lançar-se, implica a loucura, o sonho, a glória:
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
(PESSOA,1990, p.71)
O Homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.
(IBIDEM, p.74)
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Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadaver addiado que procria?
(IBIDEM, p.76)
É no poema “Mar português”, entretanto, que esse sentido do navegar feito de sacrifícios e sofrimentos se torna mais explícito, marcando definitivamente a resposta pessoana às indagações humanistas do Velho do Restelo, o que seria sem dúvida sinal da intertextualidade com o poema de Camões, presente em vários momentos e subjacente à Mensagem como um todo: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena.”(IBIDEM, p.82)
Tanto em Alberto Caeiro, como em Ricardo Reis e Álvaro de Campos, observa-se
essa mesma oposição entre o viver e o navegar que alicerça os textos da Mensagem. Mas, o que se percebe nos heterônimos,
bem como no Fernando Pessoa “ele-mesmo” fora da Mensagem, é o navegar marcado pelo signo da desistência. O que prevalece
é o viver tomado pela força da nulidade:
Assim é a ação humana pelo mundo fora.
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
E o sol é sempre pontual todos os dias.
(Alberto Caeiro. In: PESSOA,1990,p.224)
Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
(Ricardo Reis. IBIDEM, p.289)
Quatro vezes mudou a ‘stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;
Ao verde segue o seco, e ao seco o verde,
E não sabe ninguém qual é o primeiro,
Nem o último, e acabam.
(Álvaro de Campos. IBIDEM, p. 421)
Só quem puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar... tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez
(IBIDEM, p.104)
Observe-se em Caeiro, Reis e Campos e mesmo no ortônimo, o signo da descrença, ainda que muitas vezes encoberta pela felicidade forjada no paganismo, no estoicismo ou no futurismo que caracterizam respectivamente os três heterônimos. Redundando na anulação, no niilismo, o navegar fora da Mensagem é sempre em Fernando Pessoa a consciência da negação, o signo do não.
A diferença reside no objetivo que esse binômio - viver/navegar - terá no poema épico, na medida em que aqui o poeta intenta tocar no sagrado que de certa forma constitui o sentimento português repassado pela chama mítica, o Sebastianismo. Fernando Pessoa, resgatando o percurso camoniano de exaltação da história de Portugal, reatualiza o mito da fundação do mundo, para inscrevê-lo num processo de superação. Ou seja, a poesia de Fernando Pessoa não é a do renascentista, mas a do poeta da modernidade que devora o passado para projetá-lo para o futuro e, ao fazê-lo, navega pela história (Brasão), pela expansão marítima (Mar Português) e pelo Mito, sentimento de nostalgia que configura o povo (O Encoberto). O navegar pessoano,
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através da poesia, busca o seu sentido no desejo de sacudir o marasmo português na construção do vir a ser (“Senhor, falta cumprir-se Portugal”), enquanto engendra para si mesmo um motivo para continuar a existir.
Remontando à figura arquetípica de Ulisses como “fundador de Lisboa”,
Fernando Pessoa recorre ao mito “o nada que é tudo” e que “sem existir
nos bastou”, deixando nítida sua concepção da obra que se tece sob o signo
da fundação de uma realidade:
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade.
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
(IBIDEM, p.72)
Mircea Eliade, estudando o comportamento das sociedades arcaicas, discorre sobre a importância que os símbolos, os mitos e os ritos possuem nessas sociedades para a compreensão da realidade última das coisas, como uma posição metafísica do homem primitivo. Todos os gestos do comportamento consciente do homem reproduzem os atos vividos anteriormente por outros. Sua vida repete ininterruptamente ações de antepassados ou ancestrais. Através da reprodução de gestos paradigmáticos o homem primitivo transforma em realidade uma ação primordial. Nessa medida, a repetição da cosmogonia se dá no ato de criação ou fundação de uma nova realidade :
Com a repetição do acto cosmogônico, o tempo concreto em que se passa a criação é projetado no tempo mítico, in illo tempore, em que decorreu a criação do mundo. Assim ficam asseguradas a realidade e a duração de uma construção, não só pela transformação de um espaço profano num espaço transcendente (“o Centro”), mas também pela transformação do tempo concreto em tempo mítico. (...) todos os rituais se desenvolvem não só num espaço consagrado, ou seja, num espaço essencialmente distinto do espaço profano, mas também num “tempo sagrado”, “naquele tempo” (in illo tempore, ab origine) em que o ritual foi realizado pela primeira vez por um deus, um antepassado ou um herói. (ELIADE, s/d, p.35)
Ao resgatar o mito no inconsciente português, Fernando Pessoa reproduz o gesto cosmogônico, através do ritual conferido pela palavra. Esse ritual, que se exercita pelo próprio signo, inaugura um novo espaço, simbolizado pela “Distância” evocada reiteradas vezes na Mensagem e por um novo tempo, na medida em que confere sacralidade ao tempo ab origine do apogeu de Portugal, prolongando-lhe a duração. Assim, ele transforma em potencialidade a ânsia do povo português na repetição do gesto heróico de D. Sebastião
Dá o sopro, a aragem, - ou desgraça ou ancia -,
Com que a chamma do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância –
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
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(PESSOA, 1990, p.83)
O espaço já conquistado num tempo tornado mítico também é exemplar para a fundação do novo espaço consagrado. Quando se toma posse de uma região inculta, esta é considerada um lugar indiferenciado, anterior à Criação, e, portanto, o caos, em oposição ao cosmo, que se consubstancia na sacralização do espaço. Por isso, o ato de fundação se realiza através de ritos que repetem, simbolicamente, a criação do mundo. Segundo Mircea Eliade:
Os conquistadores espanhóis e portugueses apropriavam-se em nome de Jesus Cristo das ilhas e continentes que descobriam e conquistavam. A instalação da Cruz equivalia a uma “justificação” e à “consagração” da região, a um novo “nascimento”, repetindo assim o baptismo (acto da criação) (...)(ELIADE, s/d, p.25)
Na Mensagem, o poeta, ao fundar um novo mundo pela poesia, faz com que a lenda se escorra a entrar na realidade, como se vê no gesto arquetípico do navegador de fincar o padrão “ao pé do areal moreno”, mesmo sendo o esforço grande e o homem pequeno, na alusão pessoana às palavras de Camões:
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão signala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
(PESSOA, 1990,p.83)
É como se Portugal passasse do Caos em que vive, mergulhado no mito, ao Cosmo, como o nascimento de uma nova realidade. Essa passagem inscreve-se especialmente nos últimos poemas da terceira e última parte da Mensagem. Tal como a névoa do indiferenciado que antecede o ato da cosmogonia, segundo o mito da criação do mundo, aqui os poemas “Noite”, “Tormenta”, “Calma”, “Antemanhã” e “Nevoeiro” remetem para esse espaço amorfo, indiferenciado, precedendo o nascimento da nova era, representada simbolicamente pela manhã, pelo novo dia. As trevas da indiferenciação caótica são representadas pela “Noite”, como um momento de fixidez, de impossibilidade (“Mas Deus não dá licença que partamos”), como se coubesse ao homem, e somente a ele, romper com suas limitações e com o jugo divino para lançar-se no seu navegar em busca do “Poder” e do “Renome”:
Ambos se foram pelo mar da edade
À tua eternidade;
E com elles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de heroe,
Queremos ir buscal-os, desta vil
Nossa prisão servil;
(IBIDEM,p.87-88)
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A metáfora do fundo do mar como jazigo guardião do vir-a-ser se anuncia pela “Tormenta”, ansiosa para soerguer algo das trevas para a luz:
Que jaz no abysmo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
Isto, e o mysterio de que a noite é o fausto...
Mas subito, onde o vento ruge,
O relampago, pharol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro struge.
(IBIDEM, p.88)
Inscrevendo-se como busca existencial e, ao mesmo tempo, tentativa de resgate da alma portuguesa, o poema “Calma” possui o sentido do obstinado questionamento que sublinha a obra pessoana do início ao fim. As metáforas conduzem inequivocamente ao paroxismo de uma busca pelo Conhecimento (“costa”, que não se pode encontrar; “Ilha próxima e remota”; “caminho”; “ilha velada”; “paiz afortunado”). As sucessivas interrogações sem respostas, mas feitas de sugestões que reforçam desejo e ânsia, falam também de angústia e de solidão:
Surja uma ilha velada,
O paiz afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada?
(IBIDEM, p.88)
Saindo da amorfia, do espaço do indiferenciado, o poema “Antemanhã” anuncia o novo dia. Aqui toma mais consistência a consciência da nostalgia coletiva como processo de estagnação da qual é preciso sair. O “Mostrengo” é o elemento que, sujeitando-se, vai possibilitar o devir, emergindo das trevas para acordar do triste sono quem “dorme a lembrar / Que desvendou o Segundo Mundo,/ Nem o Terceiro quere desvendar?”. O Mostrengo em sua segunda aparição na Mensagem - já que dá título ao poema que alude ao Adamastor de Camões, como um obstáculo às descobertas marítimas – surge no “Antemanhã” como a figura anunciadora da madrugada que prenuncia o nascimento do dia:
Chamar Aquelle que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.
(IBIDEM,p.89)
Finalmente, o poema “Nevoeiro”, o último da Mensagem e o último a compor o ritual cosmogônico, simboliza a espera, a imagem baça do desconhecido. Mas é uma imagem etérea, evanescente, que revela a possibilidade da revelação. A questão do Conhecimento aqui é posta tanto ontológica como historicamente. “Ninguém sabe que coisa quere./ Ninguém conhece que alma tem.” São versos que reafirmam a alma inquieta do poeta já muitas vezes denunciada na totalidade da obra pessoana. A questão histórica que se dilui
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nessa atmosfera de desassossego existencial se impõe na constatação da ausência de brilho de Portugal “a entristecer”, como o fogo-fátuo. A certeza de que a hora é essa, como que constatando: é agora ou nunca, como anunciam os últimos versos:
(Que ancia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Valete, Fratres.
(IBIDEM, p.89)
Mapeando a história de Portugal através dos três momentos que engendram
a refundação da nação, Pessoa traça seu questionamento existencial. Ao
convocar o sentimento coletivo, ele revela a angústia da própria precariedade.
Esse convite a repensar o sentimento português e lançar Portugal a um
futuro sem névoa, descoberto pelo sentido do Quinto Império conquistado,
nada mais é do que o mesmo sentimento de nulidade existencial que perpassa
toda a obra pessoana ansiando desesperadamente pela via do sentido. O
Quinto Império, mais que o resgate de Portugal, é o resgate da alma universal.
Não é à-toa que o poeta se inscreve entre os profetas que simbolizam “Os
avisos”, na última parte da Mensagem, “O
Encoberto”, anunciando/desejando “Os Tempos”.
Screvo meu livro à beira-magua.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Christo
De a quem morreu o falso Deus,
E a dispertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras portuguez,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anceio que Deus fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
(IBIDEM,p.86)
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Observa-se nesse poema o tom de súplica e desabafo na metalinguagem que se anuncia no primeiro verso: (“Screvo meu livro à beira-magua”). A mágoa da existência se reitera no excesso de interrogações que constituem a busca angustiada da revelação que cobrirá a falta (“dias vácuos”), a rasura da desistência que repassa toda a obra pessoana. O “quando?” que atravessa reiterativamente o poema parece conter “o não” como resposta antecipada, na simbologia da incerteza e da imprecisão (“sopro incerto”; “névoa”; “Sonho”).
Outros poemas da Mensagem assinalam a angustiada
procura do poeta pelo sentido maior da existência, metaforicamente sublinhado
na ânsia de um devir para o futuro de Portugal (“Senhor, falta cumprir-se
Portugal!”). O desalento presente na totalidade da obra de Fernando Pessoa,
incluindo-se aí os textos heteronímicos, emerge na mensagem como um sopro
de otimismo, como que uma cartada final de sua desassossegada procura.
No nacionalismo de Fernando Pessoa o sentimento nostálgico do povo se
mescla ao sofrimento existencial de negação e de ausência de sentido para
o ser humano. Mensagem, como convocação a
uma construção coletiva, se inscreve na tentativa de fazer da obra poética
a força espiritual que converge para a grande massa que é a nação, movendo-a,
e, ao mesmo tempo, conferindo sentido à existência. Em síntese, navegando
pela poesia, Pessoa instaura o questionamento sobre o processo de estagnação
de Portugal, ao mesmo tempo em que reitera a necessidade ontológica de
respostas, presente em sua obra como um todo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. Lisboa: Edições 70, s/d
LOURENÇO, Eduardo. Fernando, rei da nossa Baviera. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993
PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.
Maria Helena Sansão Fontes
mhsansao@terra.com.br
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O MARRARE - Revista da Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da UERJ
www.omarrare.uerj.br/numero7/maria.htm
Número 7 (2006) - ISSN 1981-870X