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Estruturas lúdicas na criação de textos teatrais do século XX
(Um estudo comparativo das peças A morta do autor brasileiro Oswald de Andrade e Animal vacío do autor galego Xesus Pisón, tendo em vista a ludicidade do texto teatral)
Iremar Maciel de Brito
Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO
iremar@globo.com
Estruturas lúdicas na criação de textos teatrais do século XX: Houve uma grande revolução na expressão do teatro, no início do século XX, com a descoberta do jogo, como um dos elementos determinantes de sua criação artística. O teatro começou a distanciar-se da imitação da realidade concreta, passando a buscar os caminhos do jogo, que não têm parâmetros na repetição das ações da vida. Neste trabalho procuramos ANALISAR a estruturação desses jogos num texto brasileiro do início do século XX, “A morta”, de Oswald de Andrade, e num texto galego do final do mesmo século, “Animal vacío”, de Xesus Pisón. Pretendemos assim contextualizar e discutir alguns elementos básicos que formam a ludicidade desse tipo de teatro.
Palavras-chave: Estrutura lúdica. Jogo teatral. Texto teatral.
The ludic structure in the creation of the theater text in the 20th century: In the begining of the 20th century, there was a great revolution in the performance of the theater. It was a new moment of the art, the moment of the play just like another meaning of the theater production. Now we don’t repeat the forms of current life. We do a play with her. This work examines the structure of play in “A morta”, from the brazilian written Oswald de Andrade and “Animal vacío”, from the galego Xesus Pisón. Than we want to know the bases of this kind of ludic theatre.
Key-Words: Ludic structure. Play theatre. Theatre text
Na época das chamadas vanguardas heróicas (Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, etc.), no início do século XX, o jogo passou a ser visto como um dos elementos preponderantes na criação de uma obra de arte. No teatro, expressão artística mais relacionada à vida humana, houve uma verdadeira revolução, tanto do ponto de vista da forma, quanto do pensamento. O teatro, portanto, distanciava-se de sua expressão mimética, buscando o caminho do jogo. O novo teatro propunha-se a não mais copiar formas da vida, mas a estabelecer jogos artísticos, brincando com as formas e as ideias. Entretanto, como o jogo teatral estrutura-se a partir de uma sequência de ações, diferentes possibilidade de criação e dramatização de uma história surgiram. Entre elas podemos destacar dois grandes caminhos para a criação do roteiro do jogo teatral. Um deles imita a realidade formal da vida, enquanto o outro a transforma numa brincadeira.
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O primeiro caminho de criação do jogo teatral é aquele que imita a sequência lógico-temporal da vida, determinando que sempre haja uma coisa que deve vir antes da outra, além de estabelecer também que uma coisa tem mais importância que a outra. Esse jogo é aparentemente mais lógico e fácil de ser aceito, porque tem a realidade como parâmetro. Esse jogo mimético tem suas raízes na Grécia antiga. Aristóteles, no capítulo IV da Arte poética, define a tragédia como sendo uma ação completa, realizada por personagens de um nível superior, dentro de um determinado espaço e num tempo, cuja duração não ser superior a vinte quatro horas. Assim, graças ao seu mimetismo, esse tipo de jogo apresenta-se como uma continuação da linguagem clássica do teatro. Este é o primeiro caminho do teatro ao longo do século XX.
Enquanto isso, o segundo caminho é pautado no jogo. O jogo, definido por Huizinga, em “Homo ludens”, tem as seguintes características básicas: tem um espaço e um tempo definidos, alguma coisa em jogo que se pode ganhar ou perder, além de um conjunto de regras. Todos esses elementos também são básicos na criação de qualquer tipo de teatro.
O mundo do jogo, entretanto, tem seus próprios objetivos e entre eles não está a obrigação de parecer ou assemelhar-se à realidade da vida. Antes, cria a sua própria vida, estabelecendo novos tempos, novos espaços e novas estruturas para a obra de arte. Assim, o jogo pode estabelecer sequências de ações dramáticas fora da lógica tradicional. Nesse tipo de sequência o jogo é inteiramente dominado pelo ludismo em si mesmo, sem parâmetro na realidade.
Esse teatro lúdico é o que percebemos no texto galego Animal vacío, do final do século XX, e no brasileiro, A morta, do início do mesmo século.
Neste trabalho pretendemos, portanto, comparar os jogos teatrais que estruturam a narrativa de ambos os textos, buscando sinais de aproximação ou afastamento na construção de sua linguagem.
A estrutura do texto teatral
Animal vacío é um texto teatral absolutamente lúdico. O jogo está presente em todos os momentos de sua narrativa teatral. Seus personagens, pouco comuns e um tanto inusitados, são Noivo, Noiva, Larva 1, Larva 2, Oficiante.
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Eles fazem parte de uma fábula teatral que não conta uma história com princípio, meio e fim, mas estabelece relações lúdicas com o leitor. Sobretudo relaciona seus personagens num grande jogo, apresentando importantes momentos de sua vida, como o casamento e o suicídio. O texto, em sua alegoria da vida da sociedade humana, abre com essas palavras pouco agradáveis: ANIMAL VACÍO é un epitafio ao ser humano, un escenario de sangue e frío para un público exquisito que non poderá ficar sentado porque a vida non ten eu. (PISÓN, 2005, p. 153). A morta, por sua vez, também se afasta daqueles textos que pretendem apenas ser uma ilustração de situações da vida. Pelo contrário, leva seus personagens a jogos totalmente inesperados, mas que nos fazem pensar sobre a sociedade humana. Também joga com ela, como podemos ver em suas palavras de apresentação:A cena se desenvolve também na platéia. O único ser em ação viva é A Enfermeira, sentada no centro do palco em um banco metálico, demonstrando a extrema fadiga de um fim de vigília noturna. Ao fundo, arde uma lareira solitária. Está-se num cenáculo de marfim, unido, sem janelas, recebendo a luz inquieta do fogo. E em torno da Enfermeira, acham-se colocadas sobre quatro tronos altos, sem tocar o solo, Quatro Marionetes, fantasmais e mudas, que gesticulam exorbitantemente as suas aflições, indicadas pelas. Estas partem de microfones, colocados em dois camarotes opostos no meio da platéia. No camarote da direita, estão Beatriz, despida, e A Outra, num manto de negra castidade que a recobre da cabeça aos pés. No da esquerda, O Poeta e O Hierofante, caracterizados com extrema vulgaridade. Expressam-se todos estáticos, sem um gesto e em câmara lenta, esperando que, as Marionetes a eles correspondentes, executem a mímica de suas vozes. Sobre os quatro personagens da platéia, jorram refletores no teatro escuro. É um panorama de análise. (ANDRADE, 1973, p. 13)
O mestre de cerimônias
Em ambos os textos a ação dramática não se inicia imediatamente, pois sofre a interferência de uma espécie de mestre de cerimônias.
Em Animal vacío, o personagem Oficiante representa esse papel, sem, no entanto, preocupar-se com qualquer tipo de lógica em sua narrativa. É isso o que podemos observar no seguinte texto:
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OFICIANTE - Para fuxir do Penido Vello temos que matar.
Uns din que se logramos matalos, a cabeza de animal con que nacemos tórnase cabeza de home e así podemos fuxir deste inferno. Pisón, 1973, p. 153).
No Penido Vello non hai muros nin gardas, a non ser o mar que nos circunda.
O que é o Penido Vello non o sabemos, aínda que nacemos aquí, igual que nos os pais e nosos avós.
Nós propios ignoramos quen somos, estrañas criaturas con corpo de home e cabeza de animal.
Uns din que fomos homes; outros, que estamos en camifio de selo. O certo é que nacemos coa ansia de sermos homes, e para logralo temos que matar. (...)
Em A morta, o personagem Hierofante tem a função de intermediar todas as relações, como se fosse um espírito pairando sobre todas as coisas. No princípio da narrativa teatral dirige-se à plateia, preparando-a para o espetáculo, como podemos ver neste texto:
O HIEROFANTE (Surgindo na avant-scème, senta-se sobre a caixa do panto.) - Senhoras, senhores, eu sou um pedaço de personagem, perdido no teatro. Sou a moral. Antigamente a moralidade aparecia no fim das fábulas. Hoje ela precisa se destacar no princípio, a fim de que a polícia garanta o espetáculo. E se estiole o ríctus imperdoável das galerias. Permanecerei fiel aos meus propósitos até o fim da peça. E solidário com a vossa compreensão de classe. Coisas importantes nesta farsa ficam a cargo do cenário de que fazeis parte. Estamos nas ruínas misturadas de um mundo. Os personagens não são unidos quando isolados. Em ação são coletivos. Como nos terremotos de vosso próprio domicílio ou em mais vastas penitenciárias, assistireis o indivíduo em fatias e vê-Io-eis social ou telúrico. Vossa imaginação terá de quebrar tumultos para satisfazer as exigências da bilheteria. Nosso bando precatório é esfomeado e humano como uma trupe de Shakespeare. Precisa de vossa corte. Não vos retireis das cadeiras horrorizados com a vossa autópsia. Consolai-vos em ter dentro de vós um pequeno poeta e uma grande alma! Sede alinhados e cínicos quando atingirdes o fim de vosso próprio banquete desagradável. Como os loucos, nos comoveremos por vossas controvérsias. Vamos, começai! (ANDRADE, 1973, p. 7).
Episódios soltos
Uma outra característica importante de ambas as narrativas teatrais é a falta de sequência temporal dos acontecimentos. Não há relação de causa e efeito entre eles. São episódios soltos que não guardam relação ente si, com podemos ver no seguinte exemplo:- 4 -
(O OFICIANTE retírase. Pausa.)
NOIVA - Do deserto. (PISÓN, 1973. p. 155).
NOIVO - O sol e as cabezas dos mortos desvíanse para nos facer sitio.
NOIVA - Hai a1gunha entrada?
NOIVO - Non.
NOIVA - Por que camiñiamos?
NOIVO - Olla para os nosos pés.
NOIVA - Están baleiros.
NOIVO - As nosas pegadas conxeladas.
NOIVA - Pasos minerais que sofremos e pechamos.
NOIVO - Cada vez máis vivos.
NOIVA - Máis distantes.
NOIVO - Alén da cidade e das augas.
Esta sequência não tem continuidade na cena seguinte, em que teremos os personagens passando para momentos completamente diferentes, como acontece em A morta, no texto que se segue:
A OUTRA - Somos um colar truncado.
BEATRIZ - Nunca abra. (ANDRADE, 1973, p. 14).
O POETA - Quatro lirismos ...
BEATRIZ - E um só lírio doente .
O POETA - No país dissociado .
A OUTRA - Da existência estanque ...
BEATRIZ - Não te assustes, Outral
A OUTRA - Sou a imagem impassível onde ondulam tuas
cargas ...
BEATRIZ - Minha imagem frustrada.
A OUTRA - O silêncio é necessário à nossa amizade.
O POETA - Toda mudez termina no útero de amanhã.
A OUTRA - Estão batendo.
O POETA - Aqui não há portas.
BEATRIZ - Abre aquela porta.
O POETA - No meio da mágica.
BEATRIZ - Nunca se sabe quem é que está batendo.
A OUTRA – É perigoso abrir toda porta.
O POETA - A porta dá sempre na jaula.
BEATRIZ - Só o papa pode abrir.
O POETA - O que haverá atrás de uma porta?
A OUTRA- Abre a porta! Chi Io sá!
O POETA - Pode ser a girafa, o oficial de justiça, a metralhadora, a poesia!
Diálogos fragmentados
Tanto Animal vacío como A morta apresentam textos cujos diálogos não se completam. São fragmentos de fala soltos no ar, muitas vezes, como se cada personagem monologasse em presença do outro.- 5 -
NOIVO - Lembras a cidade?
NOIVO - En procura desta area. (PISÓN, 2005, p. 155).
NOIVA - Non.
NOIVO - O vento fainas sinais.
NOIVA - Xa levou a casa.
NOIVO - Si.
NOIVA - E as rúas e a xente.
NOIVO - Todo.
NOIVA - As nosas pegadas.
NOIVO - Todo.
NOIVA - Por que?
NOIVO - Lembras algo?
NIOIVA - Non .
NOIVO - Repara na area .
NOIVA - Sinto que camiñei sen acougo .
Esse mesmo tipo de jogo, que não nos dá uma visão completa dos acontecimentos, podem ser encontrados na narrativa teatral de A morta, no seguinte texto:
A OUTRA - Eu me jogo seminua da minha posição social abaixo ..
BEATRlZ - Fui violada como uma virgem! (ANDRADE, 1973, p. 15).
BEATRIZ - Entras pela janela equívoca de meu ser, poeta!
O POETA - És o belo horrível!
A OUTRA - Praticamente este edifício só tem forros fechados. Habitamos uma cidade sem luz direta - o teatro;
O POETA - Se te atirasses do primeiro impulso não morrerias inteira.
BEATRIZ - Permaneceria aleijada e bela diante de ti vendendo pedaços de meu espetáculo. (p. 14)
A OUTRA - Ganharíamos dinheiro.
BEATRIZ - Me arrastarias torta e bela pelas ruas como a tua musa quebrada!
A OUTRA - Seria a irradiação do meu clima!
O POETA - Qual dos crimes?
Jogos do texto teatral em “Animal vacio” e “A morta”
Bergson, em O riso, quando se refere à criação da comicidade, fala em comicidade de palavra, de personagem e de situação. Adaptando seu pensamento à criação do jogo teatral, podemos falar em jogo de palavra, jogo de personagem e jogo de situação. Ainda pensando no grande filósofo, podemos definir o jogo de palavra, como aquele formado verbalmente, o de personagem, aquele que resulta do comportamento do indivíduo e jogo de situação, aquele em que os acontecimentos transformam-se num jogo.
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Jogos de palavras em Animal vacío
(Entran as larvas, con ruído.)
LARVA 1 - Música.
LARVA 2 - Alguén baila.
LARVA 1 - E Alguén aborrece.
LARVA 2 - E Alguén anóxase.
LARVA 1 - E Alguén pégaUe.
LARVA 2 - E Alguén chora.
LARVA 1 - E Alguén quere consolar a Alguén.
LARVA 2 - E Alguén vaise.
LARVA 1 - E Alguén procura a Alguén e pídelle perdón. LARVA 2 - E tenen un fillo.
LARVA 1 - E chámanlle Alguén.
LARVA 2 - E queren ensinarlle a tocar algo e a bailar.
LARVA 1 - E Alguén só aprende a caminar a a falar.
LARVA 2 - E Alguén e Alguén divórcianse.
LARVA 1 - E Alguén vaise polo mundo.
LARVA 2 - E fala.
LARVA" 1 - E cansa. (PISÓN, 2005, p. 159).
Jogos de palavras em A morta:
A OUTRA - Estão batendo outra vez, escutem ...
O POETA - A volta ao trauma ... (ANDRADE, 1973, p. 15).
O POETA - Vou abrir. Não vou.
BEATRIZ - Tens medo que seja um personagem novo! O POETA - Ou de cair num país de fauna mirrada ...
O HIEROFANTE - Não é preciso abrir, eu já estava aqui. BEATRIZ - É o meu professor de jiu-jitsu.
A OUTRA - Deite-se porque a sua camisola é de vidro. BEATRIZ - Me ame! Por favor!
O HJEROFANTE - Faze-te gostar por um velho com dinheiro ... O POETA - Este quarto está incrustado de febres.
BEATRlZ - Eu sou uma grande flor no leito de um açude ... O HJEROFANTE - Bon giorno!
BEATRIZ - Me ame por caridade!
OHJEROFANTE - Onde estamos, em que capítulo?
O POETA - Hospital? Ovulo? Teia de aranha?
BEATRIZ - Navegamos num rio presol
A OUTRA - Tenho medo de ser um cadáver em vez de dois
seres vivos!
O HlEROFANTE - Forneço a consciência dos incuráveis.
Jogos de personagem em Animal vacío:
yle="text-align:right; font-size:10px">- 7 -NOIVO - Parou o vento.
(O NOIVO sae. Ela vai atrás deI.) (PISÓN, 2005, p. 158).
NOIVA - Igual que as sombras.
NOIVO- Si.
NOIVA - O chan tórnase negro.
NOIVO - É o regreso do sol.
NOIVA - Ti velo?
NOIVO - O sol volta para cortar as nosas cabezas.
NOIVA - Mina nai contoume ese recordo.
NOIVO - Por fin.
NOIVA - Vou parir o noso fillo (p. 158)
Soa o móbil do Noivo.
NOIVO - Si?
NOIVA- Si.
NOIVO - Diga.
NOIVA - Vou parir o noso fillo.
NOIVO - Diga.
NOIVA - Vou parir o noso fillo. Vou parir o noso fillo.
Jogos de personagem em A morta:
A ENFERMEIRA SONÂMBULA (Levanta-se devagar ao fundo.) - Madre, na calada de uma noite de enfermagem, esgano a doente que me confiaste. (Senta-se.)
BEATRlZ (Soluçando.) - Ai! concede-me o último beijo! Ai! Não quero morrer sem o último beijo!
A OUTRA - Não admito que faça isto de barulho! Morra como Napoleão.
BEATRIZ - Querem transformar o mundo!
A OUTRA - Através de absurdas catástrofes ...
O POETA - As classes possuidoras expulsaram-me da ação. Minha subversão habitou as Torres de marfim que se transformaram em antenas ...
O HIEROFANTE - É a rec1assificação ...
BEATRIZ - No Último beijo direi que preciso de ti.
O POETA - O meu ânimo se torna o ânimo de um condenado à morte ... a febre cai com a primeira meia tinta fria da noite. Dou por encerrada a nossa vida amarga e tumul¬tuária. Mas sinto as reações térmicas da insônia. Q delírio de novo crepita nos meus membros nervosos!
A OUTRA - Onde não há plano, não há sanção.
O POETA - Há sempre dois planos e um espetáculo. (ANDRADE, 1973, p. 15).
Jogos de situação em Animal vacío:
LARVA 1 - E Alguén anóxase porque é papá.
Pausa . (PISÓN, 2005, p. 161).
LARVA 2 - E Alguén vaise confesar.
LARVA 1 - E o médico dille algo de Alguén e de Alguén.
LARVA 1 - E a Alguén non lle importa porque está bébedo. LARVA 2 - E Alguén bótao do bar porque está bébedo. LARVA 1 - E Alguén maldí a Alguén e a Alguén.
LARVA 2 - E acorda nun sitio onde o coidan.
LARVA 1 - E cóidano tanto que Alguén foxe.
LARVA 2 - E encóntrano noutro sitio cunha pistola no peto. LARVA 1 - E cando sae do cárcere vai ver unha de tiros.
LARVA 2 - E sofia que é o mao e cando está a piques de matar a Alguén e a Alguén Alguén mátao.
LARVA 1 - E cando remata a película Alguén chama a Alguén e retiran o cadáver.
Jogos de situação em A morta:
BEATRIZ - Sinto a voragem ... a voragem que vai esfriando a gente antes de cair.
A OUTRA - Há, um grande sádico, um sacerdote no circo. , . No plenário do circo ... Quero denunciar! quero! Que sexualidade crescente! Aquele aparelho um prolongamento do corpo dele. A sua cara de orgasmo! Fundemos um tribunal. (ANDRADE, 1973, p. 16).
O POETA - Oh! inflexível? oh! absoluta! Desmoronas na ação!
A OUTRA - Que vês, poeta?
O POETA - Há uma fresta na tua imagem. Uma fresta. Está aberta a porta do teu quarto tenebroso! Mas não há ninguém dentro dele.
BEATRIZ - Há o homem, o ciúme e a ameaça permanente da vida ...
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Jogos de situação em Animal vacío:
NOIVO - Ela acende un cigarro.
NOIVA - EI abre a caixa. (pisón, 2005, p. 162).
NOIVA - EI vólvese.
NOIVO - Ela expulsa o fume contra o espello.
NOIVA - EI percorre o cuarto coa vista.
NOIVO - Ela estúdase no espello.
NOIVA - EI pilla un libra.
NOIVO - Ela tira as pestanas postizas.
NOIVA - EI acaricia o libra.
NOIVO - Ela observa as olleiras.
NOIVA - EI pousa o libra.
NOIVO - Ela desmaquíllase.
NOIVA - EI pilla unha figura de porcelana.
NOIVO - Ela comproba a flaccidez da peI.
NOIVA - EI acaricia a figura.
NOIVO - Ela apaga o cigarro.
NOIVA - EI pousa a figura.
NOIVO - Ela desfai o peiteado.
NOIVA - EI camifia.
NOIVO - Ela cepilla o cabelo.
NOIVA - EI pilla unha caixa de música.
NOIVO - Ela suspira.
Jogos de situação em A morta:
A OUTRA - Eu sou a perspectiva.
BEATRIZ - Por que nasci? Me digam? Me expliquem? Não queria nascer. Sou um pobre sexo amputado do seu tronco econômico ... Nunca pensei que a vida fosse resistência. Ou me mato ou me isolo na parede de um bordeI. (ANDRADE, 1973, p. 17).
BEATRIZ - Não ouço nada ... senão os meus gritos, um atropelo
e o silêncio ...
O POETA,..... Paz a teu corpo!
A ENFERMEIRA - Quem a tratará?
O HIEROFANTE - Quando a morte resvala por nós, a vida torna-se gralndiosa.
BEATRIZ - Somos almas!
O POETA - Ninguém, como eu, tem a compreensão absoluta da destruição. Cansada e vigilante ela espreita o homem.
BEATRIZ - Existo para o bem e para o mal..
O POETA - Respiraste o cheiro perigoso da liberdade. BEATRIZ - Venho de terras simples.
A OUTRA - Essa incapacidade de se mortificar ...
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Jogos de situação em Animal vacío:
NOIVA - EI pilla o vestido de Ela.
NOIVO - Ela tira un frasco de pastillas.
NOIVA - EI acaricia o vestido.
NOIVO - Ela mete un somnífero na boca.
NOIVA - EI pousa o vestido.
NOIVO - Ela bebe.
NOIVA - EI toca a pel de Ela.
NOIVO - Ela inxire outro somnífero.
NOIVA - EI morre.
NOIVO - Ela inxire todos os somníferos. Pausa. (pisón, 2005, p. 163)
Jogos de situação em A morta:
O HIEROFANTE - As conjurações. As óperas. As hipnoses.
O POETA - Desmanchaste meu sonho infantil. (ANDRADE, 1973, p. 17).
A OUTRA - Amaldiçoada natureza!
BEATRIZ - Amaldiçoada hora que me criou! Tu, poeta, não passas de um ser vivo. Devíamos ter juntos uma bela coragem.
O HIEROFANTE - Qual?
BEATRIZ - Nos amarmos num necrotério lavado.
O POETA - Meu coração não sente ainda a força atrativa da morte ...
A OUTRA - Foste tu poeta que preparaste para Beatriz os caminhos evasivos da liberdade.
BEATRIZ - Eu queria saber se era para outro humano a Inspiração ...
Jogos de situação em Animal vacío:
(As Larvas mudaron os seus vestidos por outros de, respectivamente, home e muller.)
LARVA 2 - Desde que saín do hospital teno medo.
LARVA 1- Ti estiveches no hospital?
LARVA 2 - Foi alí onde nos conecemos, non te lembras?
LARVA 1 - Non.
LARVA 2 - Na hora do paseo iamos facer o amor detrás do mirto.
LARVA 1 - Non lembro nada.
LARVA 2 - Pasaron dous anos. Un día ti fuxiches, convertido en bolboreta.
LARVA 1 - Unha das enfermeiras dicía que de sofreres moito convertíaste nun animal.
LARVA 2 - Unha bolboreta non é un animal. ((PISÓN, 2005, p. 164).
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Jogos de situação em A morta:
HIEROFANTE - O país oficial de Freud ...
O POETA – É a lua sobre o mar inexistente que nos rodeia. BEATRIZ - Estou obscura como uma idéia religiosa. (Andrade, 1973, p. 20).
O POETA - Não haverá progresso humano, enquanto houver a frente única sexual.
BEATRIZ -i- Nunca a tua febre amorosa deixou o meu corpo, Poeta!
O POETA - Porque me retempero no teu útero materno. BEATRIZ - Tenho medo.
O POETA - No mundo sem classes o animal humano progredirá
sem medo.
A ENFERMEIRA - Sabes o que é medo?
O HIEROFANTE - É o sentimento inaugural.
O POETA - É o sentimento de insegurança do feto na vida aquosa da geração.
A OUTRA - Vi uma luz.
Jogos de situação em Animal vacío:
LARVA 1 - Eu non podo evitalo.
LARVA 2 - Ti ámasme.
LARVA 1 - Antes da noite serás unha mazá.
LARVA 2 - E despois?
LARVA 1 - Iremos cada un polo seu camino.
LARVA 2 - Eu non quero ser unha mazá.
LARVA 1 - Ninguén quere ser nada.
LARVA 2 - Eu quero ser unha bolboreta.
LARVA 1 - Para iso cómpre sofrer máis.
LARVA 2 - Faime sofrer ti.
LARVA 1 - Eu son unha bolboreta, non un home.
LARVA 2 - Non me tortures.
LARVA 1 - Non me ames.
LARVA 2 - Posme medo.
LARVA 1 - Cando chegue a noite xa non haberá medo.
LARVA 2 - Nin amor,
LARVA 1 - Nada.
LARVA 2 - É horríbeI.
LARVA 1 - Por iso temos que separamos.
LARVA 2 - Non me deixes.
LARVA 1 - Sóprame nas ás para que o vento me leve lonxe.
LARVA 2 - Leva ti a mina peI. (PISÓN, 2005, p. 165).
Jogos de situação em A morta:
O POETA - És a noite; Carrego nos meus ombros o teu desequilíbrio glandular.
A OUTRA - A cegueira mora em tua histerial
BEATRIZ - Horror! horror! Resolve a minha questão econômica antes que eu morra em plena mocidade!
A OUITRA - Alguém entrou? Censurarei quem for...
O HIEROFANTE - Pela porta que não existe.
A ENFERMEIRA SONÂMBULA (Levantando-se.) ... É a hora métrica.
BEATRIZ - Mereço todas as coisas lindas da vida ... As coisas lindas da morte.
O HIEROFANTE - No plano da sociedade esquizofrênica.
O POETA - Toda a minha produção há de ser protesto e embelezamento enquanto não puder despejar sobre as brutalidades coletivas a potência dos meus sonhos!
A OUTRA - Emparedado! Criaste uma grande doença! (ANDRADE, 1973, p. 20).
finalizar, apenas dois textos conclusivos de cada uma das obras:
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Animal vacío:
OFICIANTE - Animal vacío foi asasinado polo amor, que el propio creara para non estar só. Tempo andado, estando o amor a brincar, cavou un furado na terra e meteuse nel. A terra ficou prenada e pariu a primeira criatura visíbel. Por iso tivo que procurarlle un nome, e foi Uranos, que significa O Recordo. Os anos pasaron e Uranos non daba esquecido o crime do pai, que o fixera visíbel entre os deuses. Conque unha noite foi ao seu cuarto e cortoulle a cabeza. Despois arrastrou o cadáver para fóra e deitouse coa nai. Ela deulle moitos fillos, mais Uranos retínaos no ventre da muller, sen lles deixar ver a luz, por medo a que o matasen, igual que fixera el co seu proxenitor. Un deses fillos, chamado Cronos, agardou unha noite a que o pai vinese copular coa nai e cor¬toulle os xenitais cunha fouce. Xa libre, Cronos casou con Rea, a irmá, que pariu numerosos fillos. Con todo, o pai comíaos ao naceren, pois Uranos, antes de morrer profeti¬záralle que el tamén sería morto por un fillo. E así aconte¬ceu. Cando pariu a Zeus, Rea envolveu unha pedra cun lenzo, deulla a comer a Cronos e despois agachou o neno nunha cova. Ao medrar, Zeus foi en procura do pai e sepul¬touno no inferno. De alí a un tempo presentouse na casa Prometeo, que fora desherdado por Zeus, matou o pai dos deuses e inventou os homes. O primeiro deles foi Edipo, que matou o pai e se deitou coa nai. O segundo foi Hamlet, que sonou a morte do pai e foi copular coa nai no inferno. O derradeiro foi o orfo Ahab, que afundiu na mina cabeza abrazado ao Animal. (PISÓN, 2005, p. 167).
A morta:
POETA - Que diz agora o teu coração? Para justificar-te! BEATRIZ - Vive do medo de te ter perdido!
O HIEROFANTE - A realidade molesta os humanos. (Andrade, 1973, p. 22).
POETA - Quebraste o elo.
BEATRIZ - Não poderei fazer nada sem ti, sem o teu calor, a tua adoração.
POETA - Quebraste a porta fechada ...
HIEROFANTE - Complexo de que faço a máscara.
POETA - E eu a ruptura ...
HIEROFANTE - Darei sempre a visão oficial.
POETA - Enquanto eu bradar o canto noturno do emparedado. Um canto desconexo. Interior como o sangue. As contaminações cortadas com a vida!
BEATRIZ (Chorando.) - Desfiguraste-me sob as tintas efusivas do amor.
POETA - Fizeram-me abandonar a Ágora para viver sobre mim mesmo de mil recursos improdutivos. Eu quero voltar à Ágora.
Esta pesquisa nos mostrou que o jogo presente no teatro do início do século XX no Brasil continua vivo nos dias atuais, transformando-se numa das grandes bases da criação teatral na atualidade. Assim pudemos ver que A morta e Animal vacío discutem a sociedade humana pelo caminho do jogo, revelando alguns caminhos da criação lúdica da arte teatral.
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REFFERÊNCIAS
ANDRADE, Oswald. A morta. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1973.
ARISTÓTELES. Arte poética. Tradução Antônio Pinto de Carvalho.Rio de Janeiro, Edições de Ouro. Faltam dados: data, local, editora.
BERGSON, Henry. O riso. 2 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1983. Faltam dados: data, local, editora.
HUIZINGA. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1996.
PISÓN, Xesus. “Animal vacio”. In Noite invadidada. A Coruña: Ed. Biblioteca Arquivo teatral Francisco Pillado Mayor, 2005.
Iremar Maciel de Brito
Doutor em Letras/Literatura Comparada. UFF/1999
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras/UERJ
Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas/UNIRIO
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