O Marrare número 15
Homenagem ao prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho"

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Apresentação

Em 1966, quando entrei para o curso de Letras na UERJ, Leo (como era chamado na intimidade) foi meu primeiro professor de Literatura Portuguesa. A patir daí, iniciou-se um convívio de muitos anos, estreitando laços de amizade, de trabalho e de pesquisa que se entrelaçam com o amor pela Literatura Portuguesa.

Inacreditável e verdade: nossa amizade sobreviveu aos liames da vida acadêmica na universidade, onde as relações especulares regem a luta entre o senhor e o escravo, tão bem demonstrada, na leitura que Kojève faz de Hegel.

O desejo de cátedra levou Leodegário a fazer concurso para obter o título de Catedrático, transformado por exigência da lei em Titular. Nesse grau, durante quase quarenta anos, em vez de agir como senhor no sentido hegeliano atuou no sentido analítico: seu desejo orientava uma atuação mais aberta, em que a singularidade de cada um não só era acolhida, mas também incentivada ao nível da pesquisa. Sem dúvida, a generosidade, tão escassa em nossos dias, era uma de suas qualidades. Havia sempre lugar para mais um em seus empreendimentos, desde que houvesse mérito. Era assim em sua vida pública e privada. Outra de suas facetas era a fidelidade. Nunca traiu os amigos e aqueles que o ajudaram na trajetória universitária. Nunca. Existem inclusive várias histórias que relatam atos heróicos para defender os amigos.

Dedicou-se ao estudo de vários autores, desde a época do trovadorismo até a contemporaneidade, mas sua paixão, sem dúvida, era Camões. Uma paixão seguida pela obsessão do estabelecimento do cânone camoniano que, infelizmente não foi terminado e que esperamos que seja levado adiante pela camonista Marina Machado Rodrigues, sua amiga e companheira de pesquisa.

Sua partida, além das saudades dos amigos e dos familiares, expôs a olho nu as marcas do malestar em nosso mundo pós-moderno. Nesse mundo, a universidade deixa de ser o lugar de produção do saber e se torna o império da burocracia, onde o que conta são os números advindos das estatísticas. A quantidade desbanca a qualidade. O anonimato substitui o autoral. A implicação subjetiva desaparece para dar lugar ao Grupo, cujas regras extirpam a reflexão, a criatividade e a singularidade. Os agonizantes, estranhos nesse novo mundo, devem ser eliminados pela lei da vida, ou seja, a morte, ou devem ser perseguidos até desistirem de pertencer à nova corte.

Nesse admirável mundo novo não há lugar para o reconhecimento, para a amizade e para a homenagem desprovida de interesses políticos. Passivos e aderentes, os integrantes da Academia universitária se espedaçam na luta pelo prestígio, verdadeiro mercado de ações, onde se vendem bolsas, viagens e outros prêmios.

É neste contexto, dominado pelo ódio e desejo de vingança, que a Editora de O Marrare decide, com o apoio da minoria do Setor de Literatura Portuguesa, dedicar o último número deste ano ao Professor Leodegário A. de Azevedo Filho, homenageando-o, depois de sua partida sem retorno.

Sem lugar para a reconciliação, nasce essa homenagem. No artigo “O perdão, a verdade, a reconciliação: qual gênero?”, publicado em Jacques Derrida: Pensar a descontrução (São Paulo: Estação Liberdade, 2005), Jacques Derrida diz que a reconciliação é uma “constituição democrática de extrema modernidade” e que “incorpora todos os progressos do direito constitucional das democracias deste século” (p. 46).

Neste número, reunimos não todos os amigos, porque alguns não conseguimos encontrar e outros não puderam colaborar por razões diversas. Mas todos os que foram encontrados aceitaram com entusiasmo participar desta edição que homenageia o homem que partiu e a obra que ficou, imortalizando assim um nome que se associa à pesquisa e à divulgação da literatura portuguesa.

Prestar uma homenagem ao professor, unicamente, seria limitar sua dimensão humana. A obra, mais de 70 livros e cerca de quatro centenas de artigos e ensaios publicados, nem nós nem as as gerações vindouras poderemos ignorar ou esquecer, ainda que possamos discordar dela em alguns pontos.

Deste modo, não se trata de dar voz à obra. Aqui, reúnem-se depoimentos, ensaios, poesia e fotos, uma pequena mostra das impressões que o Leo deixou gravadas em cada um de nós: a sua família e os seus amigos. Esta publicação não tem por isso um caráter eminentemente acadêmico, mas também afetivo. Em relação ao acadêmico, alguns convidados escreveram artigos, dedicados ao Leodegário, para esse número. Outros prefiraram dar seus depoimentos pessoais sobre as suas relações com ele e Ana Hatherly faz sua homenagem, criando dois poemas

para terminar, quero falar das saudades do Leo que, nas horas amargas e tristes — excepcionalmente nessas horas — sabia acolher os amigos com gesto de amor.


Nadiá Paulo Ferreira
Editora
Professora Titular de Literatura Portuguesa-Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ



Sobre o Café Marrare


Na primavera de 1843 outra figura de apparencia á mesa do Marrare: um moço Na flor da vida; baixo, nariz adunco, olhos penetrantes, faiscando através das lentes encaixilhadas n’um aro de oiro muito delgado; bocca fina levemente vincada e contrahida sobre os cantos; suissas negras, aneladas e finas, deixando livre a ponta do queixo forte como a da estatua de pedra, que o cinzel não alindou; maças do rosto proeminentes; picado de bexiga. (...)


Chegara de França,(...) O novo freqüentador do marrare doutorou-se em medicina. Prosador elegante e orador didáctico de primeira ordem.

Este rapaz d’então era meu velho amigo Thomaz de Carvalho.


Manuel, Passos. “O Marrare do Polimento”. In: PATO, Bulhão. Memórias. Scenas de infancia e homens de lettras. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Sciencias, 1894, 3v, tomo I. pp.146 e 147.