O Marrare número 15
Homenagem ao prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho

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A CRÍTICA TEXTUAL EM LUÍS ANTÓNIO VERNEY

Sebastião Tavares de Pinho
Universidade de Coimbra
stpinho@ci.uc.pt

.

À saudosa memória do grande Mestre,
investigador, camonista e perito da crítica textual,
Prof. Doutor Leodegário A. de Azevedo Filho,
com a saudade de quem perdeu
um Grande Amigo.


O conceituado pedagogo, polemista e primeiro iluminista português, Luís António Verney, é vulgarmente conhecido sobretudo pelo seu justamente famoso Verdadeiro Método de Estudar, a sua primeira obra de vulto, publicada em Nápoles em 1746 e que ofereceu um decisivo contributo para a reforma do sistema pedagógico em Portugal, tanto universitário como propedêutico. Além desta obra escrita em português, poucas mais, e pequenas, o foram na mesma língua. Com efeito, a maior produção literária de Verney foi expressa em latim, na qual avultam os títulos De Orthographia Latina, Roma, 1747; o Apparatus ad Philosophiam et Theologiam (“Preparação para a Filosofia e a Teologia”) e os tratados De Re Logica, ibid., 1751, e De Re Metaphysica, ibid., 1753; a Grammatica Latina, Barcelona, 1758, e o tratado De Re Physica, Roma, 1765.

De entre estas obras latinas, o conjunto dos tratados da Lógica, da Metafísica e da Física formam o grande curso de filosofia que Verney escreveu na língua internacional de cultura, que era, ainda no século XVIII, o Latim, “Para uso dos jovens portugueses” e para propiciar o seu acesso a um público mais vasto do que o português, ao qual se destinara o Verdadeiro Método de Estudar.

Em cada uma das três áreas referidas – lógica, metafísica e física – o autor nem sempre trata apenas de matérias especificamente filosóficas, mas enquadra-as muitas vezes em assuntos mais gerais, por exemplo, de caráter histórico, literário, e mesmo de crítica textual. É o que acontece na sua Lógica, em que Verney, falando da verdade certa e da verdade provável em geral e, mais especificamente, da probabilidade histórica, inclui no Livro V da 2ª Parte desse tratado, um capítulo inteiro sobre “Os erros dos livros. E o modo de distinguir os livros intactos dos corrompidos, e os verdadeiros dos supositícios”.

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O autor divide o capítulo em duas partes, como o seu título revela, e começa por lembrar os princípios justificativos da própria crítica textual de qualquer produção escrita, cuja credibilidade deriva, antes de mais, da sua autenticidade no que respeita tanto ao seu autor como ao seu conteúdo, tantas vezes afetados pelas contingências da reprografia, com frequentes erros introduzidos outrora por via dos copistas e, depois da invenção da imprensa, também pelos editores e tipógrafos. Diz com efeito Verney:

Ora, os livros só tornam um conteúdo provável se não estiverem corrompidos nem adulterados, isto é, se não estiverem de tal maneira falsificados, que percam toda a sua credibilidade. E, uma vez que a arte tipográfica ou de multiplicar cópias por meio de tipos só foi conhecida na Europa em meados do século XV, daí se conclui que todos os livros antigos foram copiados à mão, pelo que se torna claro que neles se tenham insinuado furtivamente erros sem conta.

Pois quem ignora quantos erros cometem os nossos copistas sempre que transcrevem alguma coisa? E quem não sabe que até os livros reproduzidos em tipos e que os tipógrafos revolveram profunda e demoradamente para anotarem e emendarem seus erros, abundam em muitíssimas e bem graves incorreções? Pois quê? Não é verdade que mesmo os homens mais sábios e mais experimentados na ortografia caem por vezes em vários erros, por descuido ou precipitação? Ora, se tais erros são frequentes, se eles aumentam com novos atentados, o resultado é que tais livros se tornam desprovidos de toda a credibilidade1. .

Verney desenvolve o tema dos erros bibliográficos, dividindo as suas causas em quatro categorias específicas: os copistas inábeis, os críticos audaciosos, os embusteiros e a própria erosão do tempo. A primeira é atribuída aos referidos copistas, que por ignorância e imperícia confundiam palavras semelhantes ou sinônimas entre si, trocavam letras devido à sua similitude e até incluíam no texto dos códices as anotações feitas à margem para fins explicativos, os chamados marginalia; que, por ambição de maior lucro, precipitavam a sua tarefa e claudicavam com mais frequência; e que, por falha auditiva, registravam erradamente o que mal ouviam de quem lhes ditava, ou que por estes era mal pronunciado. A agravar as deficiências dos copistas e a facilitar os erros de transcrição, Verney recorda os diferentes hábitos de escrita desde a antiguidade por parte de vários povos e suas línguas, designadamente a escrita sem intervalos dos Gregos e Latinos, o hebraico outrora escrito sem acentos nas vogais, o antigo uso de apenas letras maiúsculas pelos Romanos e de quadradas pelos Gregos, e a antiga ausência de sinais diacríticos, o que provocava a confusão por parte de copistas inábeis de tempos posteriores, que fatalmente nos transmitiram os livros em estado de corrupção. (vd. VERNEY, 2010, p. 460-463).

Verney atribui a segunda causa da corrupção livresca a muitos dos próprios críticos mais ou menos eruditos da Antiguidade que, ao recopiarem os livros corrompidos, procederam com diligência à sua correção; mas, porque não dominavam todas as matérias neles tratadas, acabaram por corrigir indevidamente muitos passos que eles interpretaram mal e que não precisavam dessa intervenção, indo assim para além do necessário. E o mesmo aconteceu mais tarde, após a invenção da imprensa, numa atitude que os críticos modernos designam por ultracorreção2. Assim fala o iluminista português Luís António Verney:

Tendo já os críticos de outrora chamado a atenção para esta situação e tendo considerado que os livros mais emendados eram comprados por maior preço pelos gramáticos e pelos protetores das letras, dedicaram-se com a maior diligência possível à emenda dos livros e a vendê-los a outros. Mas como eles não perceberam todo o seu conteúdo, corrigiram a seu jeito a maior parte dos erros, isto é, tornaram-nos ainda mais graves; e assim a arte crítica ficou enferma por entre as próprias mãos dos médicos.

Já depois da invenção da imprensa, homens da maior cultura literária se queixaram de que isso mesmo acontecera com uma grande quantidade de homens doutos que emendaram abusivamente os escritos dos antigos. De resto, pelo próprio confronto de alguns livros impressos com outros, isso se torna mais evidente do que nenhuma outra coisa3.

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A terceira causa dos erros dos livros resulta das falsificações praticadas por embusteiros que, pela ganância do dinheiro, introduziram neles deliberadamente novidades e adulterações com o objetivo de os tornar mais atraentes ao público-alvo, ou para contrariar o seu conteúdo e enganar o leitor. Verney lembra que tal prática se verificava não apenas com a produção literária pagã, mas até com os livros sagrados. São estas as suas palavras:

Alguns destes, que não eram apenas críticos mas também trapaceiros, por motivo de um reles lucro introduziram nos livros antigos, de caso pensado, grande quantidade de coisas novas, de acrescentos e de transformações; e isso não apenas nos livros pagãos, mas também nos monumentos da literatura eclesiástica. Daí resultaram tantos escritos não apenas corrompidos e interpolados, mas até inteiramente falsificados, que iludiram os antigos e continuam também a iludir em particular a maior parte dos ignorantes mais recentes4.

A quarta e última causa da corrupção textual deriva do próprio desgaste a que os livros estão fatalmente sujeitos ao longo da história. Verney lembra a erosão do “tempo que tudo devora e que apaga as letras das inscrições, das pedras e sobretudo dos pergaminhos e dos restantes códices”; e também outro tipo de lacunas que desde sempre existiram e que é difícil preencher. Evoca até o caso das obras de Aristóteles e Teofrasto, segundo o testemunho de Estrabão, e conclui dizendo com ironia:

Daí advém que a tais livros, destruídos e perfurados pela humidade e pela traça, os tenham os peripatéticos interpretado tão pessimamente, que em vão se pode procurar Aristóteles no próprio Aristóteles e muito menos nos aristotélicos. E por tais razões resultou que até os livros antigos (com excepção dos sagrados) tenham chegado todos até nós completamente corrompidos, e que lhes tenham sido misturados tantos apócrifos, que só com grande esforço e diligência se pode destrinçar o branco do preto5.

Identificadas e tipificadas na primeira parte deste capítulo da Lógica as causas habituais da corrupção textual, Verney enuncia e explica um conjunto de dez princípios que devem reger a atividade do crítico moderno na determinação do verdadeiro autor e na purificação e procura da autenticidade do texto que corresponde à sua última vontade. Assim, na primeira regra afirma que uma informação, no que respeita quer ao autor quer ao conteúdo do livro, deve ser apreciada em função da sua antiguidade, isto é, a devem ser preferidos os dados mais antigos6:

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1ª. Quanto aos códices antigos, é indício de que um livro é subornado se ele está atribuído a um outro autor, quando não há nenhuma razão para considerar que o livro não seja daquele cujo nome ostenta. E são livros interpolados se nos códices antigos falta alguma coisa que aparece nos mais recentes. E são mutilados, se lhes falta alguma coisa que existia nos códices mais antigos6.

A segunda regra tem a ver com a compatibilidade entre o título de um livro e o seu conteúdo, e diz o seguinte:

2ª. Se aquilo que os antigos apresentaram outrora em livro faltar atualmente num livro com o mesmo título, ou é um outro livro ou um livro mutilado. Mas, se a sua leitura for diferente, é forçosamente suspeito. Se todo o seu conteúdo se apresentar sem alteração, trata-se de um livro autêntico, a não ser que haja outros motivos que levem a suspeitar o contrário7.

Na opinião de Verney, para a veracidade de um livro conta também o testemunho da sua existência por parte de autores seus contemporâneos ou pouco posteriores, apesar de se tratar de uma prova de tipo negativo, como o filósofo português reconhece citando, até, exemplos de autores e livros da época romana que outros autores pouco posteriores nunca referiram. Eis o teor dessa 3ª regra:

3ª Os escritos acerca dos quais não é feita nenhuma menção nos catálogos antigos, e que nem sequer são recordados por nenhum dos escritores dos séculos imediatamente seguintes, devem ser na sua maior parte considerados falsos e tidos como absolutamente suspeitos8.

A quarta regra insiste na ideia de que a autoridade dos antigos, que estiveram bem mais próximos dos autores do que os modernos, é detentora de muito maior credibilidade do que a opinião dos críticos da atualidade. Desta vez Verney aplica este princípio à matéria espúria rejeitada pela competência crítica dos antigos. É assim que essa regra é formulada:

4ª. Aquilo que foi criteriosamente rejeitado ou posto em dúvida por todos os mais antigos dificilmente pode ser admitido a pretexto da autoridade dos mais recentes9.

Verney preconiza como um dos critérios de crítica autoral e da integridade textual de um determinado livro a própria coerência e consistência das ideias nele expressas em confronto com o que fundamenta o pensamento da sua obra em geral, como se lê na seguinte 5ª regra:

5ª Um livro em que ocorrem opiniões contrárias àquelas que são constantemente defendidas pelo autor cujo nome ele ostenta, parece não ser de sua autoria, sobretudo se as opiniões forem de grande importância; no mínimo, trata-se de um livro interpolado10.

Todavia, este critério, diz Verney, deve ser aplicado com alguma cautela, porquanto há autores a quem uma reanálise das questões pode levar, em dado momento, a mudar de ideias; e, por outro lado, autores verdadeiros evocam em seus livros ideias de outros escritores contrárias às suas próprias, como acontece com Cícero em algumas de suas obras, e isso pode levar o leitor incauto a concluir que aqueles que assim as reproduzem, assumem e fazem suas tais opiniões, quando afinal não se trata senão de um método de estudo e demonstração pelo confronto dos contrários.

A sexta regra retoma, mais uma vez, a cronologia dos factos como fator a ter em conta no estudo da autoria de uma obra ou na autenticidade do seu texto, designadamente a referência, num determinado livro, a acontecimentos que sucederam depois da sua composição, ou a evocação de figuras que viveram em época também posterior, segundo seguinte princípio:

6ª Um livro em que são recordados factos ou pessoas mais recentes do que o autor cujo nome ele ostenta, ou não é dele ou foi acrescentado por outro11.

Em nome da sintonia cultural e de rigor entre o conteúdo de um livro e o nome do autor a quem ele está atribuído, Verney entende que a falta dessa sintonia é uma prova de falsa autoria, porquanto não é admissível que um sábio inclua em seus escritos falhas ou erros reveladores de inépcia e ignorância crassa, ou afirmações com origem em evidentes fantasias. É esse o teor da sétima regra:

7ª. Um livro cheio de ignorância e incompetência não pode, de modo algum, ou pelo menos na sua totalidade, ser atribuído a um homem sábio; nem um livro abundante em ficções fabulosas, a um homem bem preparado e que foi um comprovado amante da verdade, mesmo que aqueles ostentem os nomes deles nos códices antigos12.

Voltando a questões de ordem de precedência cronológica, Verney lembra também como elemento de crítica autoral, isto é, de distinção entre um livro verdadeiro e um falsamente atribuído ou supositício, a evocação anacrônica de discussões, teorias e ideias que só tiveram lugar em tempos posteriores ao suposto autor do mesmo livro. Assim diz a oitava regra:

8ª. Um livro em que são quer formalmente tratadas, quer abordadas, controvérsias surgidas depois da época do escritor a quem ele é atribuído, ou em que se depreende uma imitação de um escritor mais recente do que aquele cujo nome ele ostenta, é pelo menos interpolado13

E também o estilo da escrita não escapou ao reformador pedagógico português como recurso identificador da autoria de um texto, tanto para negar a sua falsa atribuição como para descobrir o verdadeiro autor, como ele concretiza na nona regra:

9ª. Se o estilo for diverso do verdadeiro estilo do escritor ou da sua época, o livro não é dele, mesmo que ostente o seu nome. E se for idêntico ao estilo de outro escritor, deve ser considerado livro deste, contanto que nada o impeça14.

Finalmente, há que dar atenção ao próprio vocabulário, mais uma vez em razão da cronologia, porquanto a presença de palavras de formação ou uso posterior ao suposto autor representam um anacronismo denunciador de falsa autoria do livro a ele atribuído, ou pelo menos ter-se-á de concluir que estamos na presença de interpolações. Vejamos a décima e última regra verneiana:

10ª. Vocábulos de época posterior demonstram claramente que o escritor é mais recente. E se ocorrer numa tradução algo que não condiga com a língua em que comprovadamente escreveu o autor a quem o livro é atribuído, ou não é tradução, ou trata-se de uma interpolação15.

Várias destas regras, vistas em separado, são de tal simplicidade e tão clara evidência, que não carecem de demonstração, como o próprio autor repetidamente o reconhece com frases como Res est perspicua (“É coisa que salta à vista”), Res satis euidens est (“É coisa bem evidente”). Mas a sua importância reside no facto de Verney ter reunido em 1769, num capítulo de forma relativamente estruturada, normas sobre uma matéria – a crítica textual – que já então era objeto de estudo teórico e normativo mas que só mais de meio século depois veio a ser renovada e definitivamente sistematizada mercê do trabalho de notáveis investigadores, sobretudo a partir de Karl Lachmann, considerado o criador da moderna crítica textual, exposta e praticada em edições como a do texto grego do Novo Testamento (1831, 1837, 1846), a greco-latina da mesma obra (1842-1850) e a do poema latino De rerum natura de Lucrécio (1850).

A prática – mais do que a teoria – da depuração dos textos e da sua verdadeira atribuição autoral constituía preocupação que já vinha desde a antiguidade clássica e posterior, e se foi aperfeiçoando ao longo dos tempos. Disso mesmo dá testemunho o próprio Verney citando exemplos colhidos entre os antigos, designadamente em Estrabão a respeito dos textos de Aristóteles, em Orígenes, Aulo Gélio, Diógenes Laércio, Dionísio de Corinto, S. Jerônimo, entre outros; e, de entre os modernos, em Louis Capell, Diatriba de varis et antiquis Hebraeorum literis ... (1645); Jean de Launoy, De varia Aristotelis in Academia parisiensi fortuna ... (1653, 1656, 1662, 1720); Jean Mabillon, De re diplomatica libri VI ... (1681, 1704, 1709); Bernard Lamy, Apparatus biblicus ... (1696, 1772); Jean Leclerc, Ars critica (1699-1700); Bernard Montfaucon, Palaeographia Graeca ... (1708), e outros.

Vê-se, pois, que Luís António Verney tinha consciência de que uma reforma do ensino das humanidades, em geral, e da filologia e crítica histórica e literária em particular, que ele propunha em toda a sua obra, deveria começar pela rigorosa e científica crítica textual.

Notas

1Iam uero libri hoc tantum nomine probabilem rem faciunt, si integri et sinceri sunt, id est, non ita deprauati, ut fidem omnem perdant. Et quidem cum ars typographica seu multiplicandi typo exempla, non nisi medio XV saeculo Europae fuerit nota, fit consequens libros omnes ueteres manu descriptos fuisse, ex quo innumera menda in eos irrepere debuisse, perspicuum est. Nam quis ignorat quot menda librarii nostri qui aliquid exscribunt, faciant? Quis nescit libros etiam typis descriptos, quos multum et diu typothetae uolutarunt ut errores notarent et emendarent, bene multis et maiusculis abundare? Quid? Doctissimi etiam homines et ortographiae callentissimi nonne interdum, uel oscitatione, uel festinatione in errores non nullos labuntur? Hi autem si sunt frequentes, si nouis flagitiis augentur, exsistit et illud ut huiusmodi libri fidei omnis expertes sint. (vd. Luís António Verney, Lógica, Introdução e tradução de Amândio Coxito, Fixação do texto latino de Sebastião Tavares de Pinho e Filipa Medeiros, Coimbra: Imprensa da Universidade, “Portugaliae Monumenta Neolatina, vol. X”, Outubro de 2010, pp. 460-461.

2 vd. Leodegário A. de Azevedo Filho, “Estudo filológico” in Os Lusíadas de Luís de Camões, Edição fac-similar com estudo filológico de ..., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S. A., 2007, pp. 89-96: “A ultracorreção e a teoria dos erros”.

3 Haec cum aduerterent critici iam olim, et secum reputarent libros emendatiores maiori pretio a grammaticis et litterarum fautoribus comparari, in id incubuerunt, ut libros quam diligentissime emendarent aliisque uenderent. Cum autem non omnia intellexerint, plurima ex ingenio emendarunt, id est deprauatiora ediderunt; adeoque inter ipsas medicorum manus aegrotauit critica ars.Id ipsum, post inuentam typographiam, plurimis uiris doctis euenisse, qui audacter ueterum scripta emendarunt, uiri litteratissimi conquesti sunt. Immo ex ipsa librorum typo descriptorum aliorum cum aliis collatione tam est perspicuum, ut nihil supra. (ibid., pp. 462-465).

4Horum aliqui qui non critici modo, sed deceptores erant, lucelli caussa plurima dedita opera in scriptis ueterum nouarunt, addiderunt, mutarunt; nec id modo in ethnicorum libris, sed etiam in ecclesiasticis monumentis. Ex quo tot non modo deprauata et interpolata, sed ex integro supposita scripta profecta sunt, quae et imposuerunt ueteribus et ineruditis etiam recentioribus plerumque egregie imponunt (ibib., p. 464-465).

5Ex quo euenit ut libros huiusmodi humore et blattis confectos et perforatos, peripatetici tam pessime interpretati fuerint, ut frustra Aristotelem in ipso Aristotele, ne dum Aristotelicis, requiras. His itaque de caussis factum est ut et libri omnes ueteres (si Sacros excipias) ad nos usque omnino deprauati peruenerint, et tot alia apocrypha iis admixta fuerint, ut non nisi magno cum labore ac diligentia album ab atro secernere ualeamus (ibib., p. 464-465).

6I. Suppositicii libri indicium est si in ueteribus codicibus alii tribuatur auctori, cum nulla ratio est cur eius non habeatur cuius nomen praefert. Interpolati uero, si in ueteribus codicibus aliquid deest quod in recentioribus reperitur. Mutilati, si aliquid deest quod in antiquioribus codicibus exstabat (ibid., p. 466-467).

7II. Si quae a ueteribus hominibus ex libro quopiam olim prolata sunt, ea nunc in libro, eadem inscriptione insignito, desiderantur, aut alius est, aut mutilus. Sin aliter legantur, suspectus sit oportet. Si omnia inueniantur sine mutatione, germanus est; nisi aliae sint in contrariam partem suspicandi rationes (ibid., p. 466-467).

8III. Scripta quorum nulla in priscis catalogis mentio fit et quae nec memorata sunt ab ullo scriptorum sequentium proxime saeculorum, plerumque ficta iudicanda sunt, minimum suspecta sunt habenda (ibid., p. 466-467)

9IIII. Quae diserte sunt reiecta, aut in dubium uocata ab omnibus antiquioribus, ea uix propter recentiorum auctoritatem admitti queunt (ibid., p. 466-467).

10V. Liber in quo dogmata occurrunt iis contraria quae scriptor, cuius nomen praefert, constanter defendit, uidetur eius non esse, praesertim si dogmata sint magni momenti; minimum est interpolatus (ibid., p. 466-467).

11VI. Liber in quo memorantur res aut personae scriptore cuius nomen praefert, recentiores, aut eius non est aut ab alio est auctus (ibid., p. 468-469).

12 VII. Liber indoctus et imperitiae plenus non potest ullo modo aut saltim totus uiro docto tribui, nec liber fabulis abundans[ uiro non inepto quem constat ueri amantem fuisse, quamuis in uetustis codicibus eorum nomina praeferant (ibid., p. 468-469).

13VIII. Liber in quo uel dedita opera tractantur, uel tanguntur controuersiae natae post tempora scriptoris cui tribuitur, aut in quo deprehenditur scriptoris eo recentioris imitatio, eius non est cuius nomen praefert; minimum est interpolatus (ibid., p. 468-469).

14 VIIII. Si stilus sit diuersus a certo aut saeculi aut scriptoris stilo, eius non est, quamuis nomen eius praeferat. Sin autem sit idem ac stilus alterius scriptoris, huius liber censeri debet, si modo nihil impediat (ibid., p. 468-469).

15X. Vocabula inferioris aeui plane declarant scriptorem esse recentiorem. In conuersione uero si quid non occurrat, quod conueniat linguae qua scripsisse constat auctorem cui liber tribuitur, aut non est conuersio, aut est interpolata (ibid., p. 468-469).




Sebastião Tavares de Pinho
Professor da Universidade de Coimbra

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