O Marrare número 15
Homenagem ao prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho


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FERNANDO PESSOA PARA LEODEGÁRIO

Júlio Carvalho
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ
Julio.carvalho@uol.com.br

No convívio acadêmico com o Professor Leodegário, em nossas constantes conversas e nas reuniões do setor de Literatura Portuguesa, na UERJ, constatamos duas obsessões deste professor em suas leituras críticas: Camões e Fernando Pessoa. O primeiro parece-nos, constituía o desafio “técnico”, ou seja, a edição do texto lírico do poeta, com o maior rigor possível de fidelidade ao que o artista teria realmente escrito, realização que ensejava, antes de tudo, um grande aparato filológico, entre outros recurso científicos a serem utilizados neste mister. A edição da obra lírica de Camões pela Imprensa Oficial Portuguesa, trabalho de gigante, está aí para confirmar o que dissemos.

Quanto a Fernando Pessoa, seus estudos estão publicados em revistas, atas de Congressos, pequenos ensaios. Material aparentemente disperso que nos permitem dizer que Leodegário pretendia, com tempo, publicar um grande estudo sobre a obra de Fernando Pessoa. Temos certeza, mas, infelizmente isto não aconteceu. Pelo que podemos reunir destes artigos e conhecendo a seriedade de seu trabalho, tal possí9vel obra alcançaria um lugar de destaque na ampla bibliografia crítica sobre o poeta.

Em 2010, recebemos pelo Correio, com aquele carinho com que Leodegário nos distinguia, com um pequeno folheto contendo o texto que apresentou quando foi agraciado com o Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Fernando Pessoa, em Portugal. (LEODEGÁRIO, 2009)

O pequeno texto é muito interessante, sobretudo pelo aparato crítico utilizado. Enfatizando este aspecto queremos chamar a atenção de nossos leitores para uma grande virtude do Professor Leodegário que o caracterizou por toda a sua vida de intelectual: a constante busca do novo: a atualização. Leodegário não se acomodava. Com entusiasmo estava sempre pronto para conhecer novas tendências críticas, novas teorias. Estudava-as com profundidade, discutia com seus pares e ampliava a sua utilização ou as negava com fortes argumentos.


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Neste trabalho, o Professor Leodegário, conforme declara, vai se valer da “releitura feita por J.Lacan da obra de Freud”. Temos aqui, de passagem, por sermos testemunhas deste fato, o grande responsável por esta curiosidade intelectual, no âmbito da UERJ, devemos ao Professor Antonio Sérgio de Lima Mendonça, ex-aluno de Leodegário, seu colega, depois seu companheiro de magistério e permanente interlocutor.

O que Leodegário buscava ao trabalhar com Lacan? Respondemos: realizava mais um esforço teórico para definir a linguagem poética e o sentido que dela emana, uma de suas metas de pesquisa por toda uma vida.

O nosso estudioso penetra no complexo universo lacaniano e vai apurar os conceitos de “metáfora” e de “metonímia”, para concluir que na metonímia “verifica-se um deslocament0 latente, decorrente de uma condensação manifesta do sentido ( o grifo é nosso!) e na metáfora o deslocamento é manifesto e o sentido permanece numa condensação latente”. Caberá “à linguagem poética resgatar em vazio, revelando o sentido oculto das palavras”. (LEODEGÁRIO,2009;9)

O primeiro heterônimo estudado foi Alberto Caeiro, na análise considerado como um centro irradiador para todos os heterônimos e, de certa maneira, para a poesia do próprio Fernando.

Gostaríamos de colocar como ponto de partida um verso de Alberto em que ele diz:

Ser poeta não é uma ambição minha


É a minha maneira de estar sozinho (PESSOA. 2005; 17)


O poeta, ser emissor de uma linguagem que, ao desafiar o Código Cultural, coloca-se como um falante de um dizer que o exclui deste Universo, deixando-o à margem. A linguagem que articula é a mesma dos outros falantes deste Código, só que a sua utilização desperta em seus signos significados possíveis mas ocultos.




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Os signos do Código Vigente concretizam no comércio da Língua significados obrigatórios em função do seu uso habitual e constante, mas o primeiro exercício do poeta é o de despojá-las desta ganga que a ela aderiu e restabelecer a sua naturalidade o que faz do poeta um “guardador de rebanhos”, mesmo que nunca rebanhos guardasse,,,



Agora podemos ao vazio, termo mencionado anteriormente e que Leodegário volta a usar.

Alberto Caeiro distingue pensar e ver. O homem civilizado ao ver pensa, o poeta não pensa, mas vê . O falante comum apresenta a coisa mencionada numa relação com o real mediada pelo nome. Faz-se menção a um objeto e esta coisa enunciada por um nome vai ser identificada pelo receptor no quadro redutor em que ele só pode significar aquilo que a experiência concretiza. Esta igualdade-nome e coisa-, pelo raciocínio de Leodegário, cria um “vazio”e é explorando este “vazio”( algo incompleto que pode conter mais ) é que se estabelece um sentido novo significado pelo discurso poético. Quando pensamos estamos presos ao Código Cultural ao mesmo tempo em que deixamos à margem a possibilidade de outro sentido. Sendo o homem escravo do sentido real do código, a linguagem poética torna-se “estranha” para eles e o poeta se vê, vez ou outra, obrigado a certas concessões para aproximar os “homens falsos” a sentir a verdadeira essência das coisas no real da poesia e por isso



!.../sacrifico-me às vezes


à sua estupidez de sentidos (PESSOA. 2005;4)


Como conclui Leodegário, Pessoa desejava devolver aos homens, pela poesia, a “inocência do olhar”.

Lendo este trabalho do Professor Leodegário, nos convencemos que ele estava estabelecendo as “regras” teóricas para o desenvolvimento de um trabalho completo sobre a obra poética de Fernando Pessoa. Principalmente agora em que uma edição tecnicamente perfeita do texto do poeta português o deixaria mais à vontade, já que aprendemos em suas lições que o rigor ecdótico do texto é fundamental para o trabalho de análise.

Muitas são as razões para lamentarmos sua morte; essa é uma delas.

Referências
AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Fernando Pessoa, seus heterônimos e a ,emergência do novo. Rio.2º edição (Edição do autor) 2009 PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo, Companhia de Bolso, 2005


Júlio Carvalho
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ


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