O Marrare número 14
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A ESCRITA ÍNTIMA NA INTERNET: DO DIÁRIO AO BLOG PESSOAL1

Carmen Pimentel
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
carmenpimentel.uerj@gmail.com

A escrita íntima na internet: do diário ao blog pessoal
Os diários de escrita íntima constituem tipo de texto do domínio confessional. Apresentam narrativas pessoais com características específicas do gênero. Por volta dos anos 80, surgiram as agendas de adolescentes, preenchidas dia a dia, como um diário, mas com o acréscimo de elementos semióticos, como fotos, papéis de bala, recortes de revistas, entre outros. Paralelamente, a escrita torna-se ferramenta de comunicação no ambiente virtual, adquirindo características peculiares em função da fluidez do meio. A partir da teoria de Bakthin sobre gêneros do discurso e do conceito de gêneros digitais de Marcuschi, pretendeu-se elencar categorias pertinentes aos gêneros diário, agenda e blog para analisá-los e compará-los, na intenção de mapear um possível percurso dos diários aos blogs. A pesquisa foi motivada pela discussão de que a escrita digital pode prejudicar o desenvolvimento da produção textual de jovens em formação, o que não se confirmou, visto que a variação acontece apenas no nível vocabular, não interferindo na estrutura nem na comunicação. A utilização de blogs na educação aparece como incentivo à leitura, à escrita, à construção da argumentação e do posicionamento crítico, aproximando a escola da vida cotidiana dos estudantes.
Palavras-chave: Blog. Diário. Gêneros digitais. Gêneros do discurso. Internet na educação.

Personal narratives on the internet: from diary to blog
Intimate writing diaries represent a texto f confessional nature. They show personal narratives with specific characteristics to the genre. Around the 80's, the teenagers planners came out, filled out every day as a diary, but with the addition of semiotic elements such as photos, candy wraps, magazine clippings, among others. With the arrival of the internet, writing becomes the major communication tool in the virtual environment, acquiring peculiar characteristics due to the fluidity of the medium. According to Bakthin's theory on the discourse genres and Marcuschi's digital genre concept, it was intended to bring out categories inherent to the diary and blog genres to analyze and compare them with the purpose of mapping a potential route for diaries and blogs. The study was motivated by the debate that digital writing can harm the development of text production of Young adults, which was not observed, since the variation occurs in the vocabulary, not interfering with communication. The use of blogs in education has been encouraging reading, writing, building critical argumentation and standpoint, bringing the students closer to daily school of life.
Keywords: Blog. Diary. Digital genres. Speech genres. Internet and learning.

A Internet promoveu uma revolução social, levando as pessoas a se adaptarem aos novos usos do computador: bancos on-line, compras pela Internet, consultas em quiosques de shoppings, enfim, uma variedade de situações do dia a dia passou a incorporar a grande rede virtual na execução das mais simples tarefas.

Além disso, a Internet também causou uma revolução linguística. A forma linear de leitura, em busca do todo, foi desmontada pelo hipertexto, que promove uma ruptura na ideia de completude, aproximando-se do pensamento humano. Ler um hipertexto é como usar uma enciclopédia com referências a outros assuntos, remetendo o leitor a outras seções em busca de mais informações. O espaço virtual da Internet é considerado um grande hipertexto e saber lê-lo ou, na linguagem dos internautas, navegar por ele, é um aprendizado amplo e variado.

A Internet traz consigo a velocidade de transmissão de informações, levando a mais uma revolução – a da comunicação. Ao lado dessa velocidade, um outro item da revolução linguística faz-se presente: a escrita digital. A necessidade de escrever mais rápido, usando recursos que simulam uma conversa em tempo real, fez com que os internautas desenvolvessem uma variante da língua repleta de reduções, abreviações e símbolos, sempre com o intuito de agilizar a digitação de palavras, frases, textos.

Em decorrência dessa revolução linguística e do uso cada vez mais intenso de computadores e Internet, surgem gêneros de escrita pertinentes ao meio digital. Em outras palavras, gêneros textuais já convencionados pela sociedade são transportados para o novo meio de comunicação – a Internet – sofrendo algumas adaptações relativas ao espaço virtual.

Gêneros textuais: uma questão de nomenclatura

De acordo com as diferentes situações de uso, os enunciados vão sendo organizados e agrupados em tipos, conforme a finalidade da comunicação. Para Bakhtin (1997), quando um indivíduo utiliza a língua para se comunicar, sempre o faz por meio de um tipo de texto, conscientemente ou não. Nesse sentido, a língua realiza-se por enunciados, orais ou escritos, previamente dominados pelo indivíduo. Caso não fosse assim, a comunicação tornar-se-ia praticamente inviável.

Os enunciados são utilizados – de maneira organizada e agrupada – em toda atividade humana. Essas atividades caracterizam-se por objetivos específicos e por condições especiais de uso, fazendo com que os enunciados emitidos pelos indivíduos tornem-se relativamente estáveis, passando a ser comumente associados a elas. Os enunciados, mesmo variando em extensão, conteúdo e estrutura, conservam características comuns, sendo denominados por Bakhtin de gêneros do discurso. Em dado momento, o termo gênero ficou relacionado aos estudos literários, surgindo a expressão gênero textual. A partir dessa compreensão, passou-se a analisar e classificar os variados tipos de enunciados, para que melhor se compreendesse o processo de comunicação entre os indivíduos.

Os tipos de enunciados ou tipos textuais são definidos por seus traços linguísticos predominantes: aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. De acordo ainda com Marcuschi (2002:27), "quando se nomeia um certo texto como 'narrativo', 'descritivo' ou 'argumentativo', não se nomeia o gênero, mas o predomínio de um tipo de sequência de base."

Em virtude da extensa variedade de nomenclatura existente na literatura a respeito da classificação dos textos, para este trabalho, será utilizada a terminologia adotada por Oliveira (2007), que coloca os textos descritivo, narrativo, argumentativo, expositivo, enunciativo e injuntivo dentro do grupo "modos de organização do texto". O segundo grupo, de acordo com Oliveira, é denominado "domínios discursivos" e classifica os textos em jornalístico, literário, publicitário etc. Cada domínio discursivo subdivide-se em "gêneros". De todas as nomenclaturas criadas por estudiosos dos gêneros textuais, essa parece ser a mais adequada e de mais fácil entendimento.

A classificação dos textos analisados neste trabalho seguirá o quadro 1 abaixo, portanto:

Quadro 1: Classificação do blog como gênero do domínio discursivo confessional do modo narrativo

O gênero diário
O instinto autobiográfico é tão antigo quanto o ato de escrever, já que se constitui a partir de um dos atos de fala básicos que é a narração. Contar histórias é tão antigo quanto a existência do homem. De acordo com Villanueva (1991), narrando acontecimentos, o homem explica seu passado e seu presente; aventura-se pelo futuro; justifica seus atos; é verdadeiro ou mentiroso; responsável ou não, sempre com força ilocutiva e intencionalidade perlocutiva, isto é, exercendo sobre o outro, através da palavra, um determinado efeito persuasivo.

Rosa Meire Oliveira (2002) diz que os diários eram, em sua origem, manifestações públicas e comunitárias. Objetivavam narrar acontecimentos relativos a um grupo social ou feitos históricos de personagens marcantes de determinada comunidade: diários de bordo, diário de guerra, diário de classe. Os diários passam a ter caráter mais íntimo com os protestantes ingleses, que faziam anotações sobre suas condutas e trocavam uns com os outros para analisarem a possibilidade de salvação dos pecados.

Conforme ressalta Lejeune (1971), a literatura centrada no sujeito já aparece nas cantigas de amor e de amigo da lírica portuguesa medieval, do século XII. O discurso íntimo, na tradição da Literatura Ocidental, manifesta-se bem mais tarde que o ato narrativo. Somente quando a sociedade burguesa se estabelece no século XVIII, a noção de indivíduo começa a tomar corpo, ou seja, quando o homem se convence de sua existência. O marco dos diários íntimos é atribuído ao escritor inglês Samuel Pepys (1633-1703), que durante dez anos escreveu suas memórias em escrita taquígrafa. Em seus diários, publicados somente em 1825, depois de descobertos e decifrados, Pepys narra sua vida como homem importante da corte inglesa, fazendo reflexões a respeito da sociedade e sobre si mesmo.

A partir do final do século XVIII e início do XIX, com a publicação dos diários de outros autores ingleses, é que os diários íntimos ganham força e popularidade. Com as descobertas de Freud sobre o consciente e o inconsciente, os diários íntimos tornam-se instrumentos de reflexão sobre si mesmo. Além disso, em sua maioria, são produções de escrita feminina.

Partindo-se da definição de Lejeune (1973, nota 9) para autobiografia – relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, dando ênfase à sua vida individual e, em particular, à história de sua personalidade –, constata-se que o gênero diário íntimo enquadra-se perfeitamente nessa definição. O relato retrospectivo, dia a dia, da própria existência, enfatiza a história e a personalidade do diarista que, na realização do projeto autobiográfico, recompõe a vida através do tempo. O diário íntimo diferencia-se, entretanto, da autobiografia em relação à perspectiva de retrospecção, pois a distância temporal e espacial entre o eu vivido e seu registro é menor naquele. Como o diário é uma escrita privada, não comporta o pacto preestabelecido entre autor e leitor, como na autobiografia, deixando o gênero sem obedecer a qualquer modelo, pois ao narrar o que fez, o diarista está na verdade em busca de dizer quem ele é através da linguagem.

De acordo com Maciel, a narrativa no modelo diário

inclui-se entre as formas autobiográficas por ser uma escrita voltada para um "eu" que se revela e difere das demais formas confessionais por ser escrita à medida que os fatos vão acontecendo, ou melhor, por relatar os fatos também retrospectivamente, mas num espectro de tempo muito menor. Os diários são também um retorno ao passado, mas a um passado recém acabado, sem um objetivo preciso de buscar nada além do que a vontade determina. (MACIEL, 2004:85)

O diário é um relato fracionado, que procura contar um passado recente (na verdade, com lapso de tempo aproximado de um dia) num registro em que um "eu", com vida própria e extratextual, comprovada ou não, anota periodicamente e com auxílio de datas, um conteúdo muito variável, "mas que singulariza e revela, por escolhas particulares, um eu-narrador sempre muito próximo dos fatos" (ibid, p.86)

O diário, de um modo geral, cria a ilusão da espontaneidade e do imediatismo por meio tanto das fragmentações e das elipses, quanto do pacto entre autor e leitor. Deve-se considerar o diário como um registro de experiências pessoais e observações passadas, identificado como um documento pessoal, em que o sujeito que escreve inclui interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos, sob uma forma espontânea de escrita, com a intenção de falar para si mesmo. O diário é, portanto, um retrato de quem o escreve, já que o diarista registra, praticamente no momento em que vive, uma experiência, captando as disposições do espírito e os pensamentos mais íntimos.

Ainda que se destine ao próprio diarista (já que é manifestação íntima e privada), a escrita de diários mantém a característica de ato comunicacional, pois apresenta um diálogo entre o primeiro destinatário – o próprio diarista, o "eu sujeito" – e o "eu objeto", representado pelo diário propriamente dito, o que explica a presença de elementos de comunicação como saudação, vocativo e despedida.

Para Remédios, a literatura confessional atrai o leitor justamente por ter essa característica de retratar o autor, aproximando os dois:

Diários íntimos, autobiografias, relatos pessoais, confissões, tornam-se produto de consumo corrente, marcados pela crença no indivíduo, pela atitude confessional e pelo objetivo de preservar um capital de vivências e recordações de fatos históricos. Por que se lê um diário íntimo ou uma autobiografia? Quais as razões que movem o leitor? A curiosidade? A identificação de problemas com o autor? A procura de uma consolação? A admiração por um herói, por um artista, por uma pessoa qualquer? A literatura confessional é aquela que mais se aproxima do leitor, porque fala de um eu, de uma pessoa viva que ali se encontra e que diante do leitor desnuda sua vida, estabelecendo-se, então, uma perfeita união entre autor e leitor. (REMÉDIOS, 1996:2)

Tanto a escrita quanto a leitura de um diário estão diretamente ligadas à necessidade que ambos – autor e leitor – têm de conhecer a si mesmos, da busca interior. Há uma projeção natural do leitor naquele personagem-autor do diário, e vice-versa. A presença de um leitor, mesmo que imaginário, leva o autor, também movido pela curiosidade, a desnudar sua vida.

O diário, durante muito tempo, não foi considerado um texto literário por causa de seu caráter confessional e não ficcional. Era tido como um gênero menor, sem utilidade social. A escrita reflete a vivência de um eu que se confessa, sem preocupação com a busca da perfeição literária. As palavras revelam um outro que, no fundo, é o eu-narrador, centralizado no sujeito narcísico com uma função, muitas vezes, catártica – uma possibilidade de o diário representar uma espécie de alter-ego do diarista.

Nesse sentido, considera-se o diário como uma busca interior do eu espelhado em um outro materializado no papel e no registro do próprio eu. O diarista convida o leitor (no caso de haver um) à cumplicidade e à empatia, visto que o caráter confessional instiga curiosidade, e a estrutura do diário projeta no possível leitor o outro, espelho de si.

Do diário à agenda
Os diários de papel costumavam-se formar basicamente pelo texto escrito. Seu antecessor, o diário de bordo, apresentava, quando muito, alguns desenhos ou mapas das regiões visitadas. Com o tempo e a modernidade, fotografias e outros recursos não verbais foram sendo incorporados aos diários para enriquecer os relatos.

Na década de 1980, muitos jovens passaram a "fazer agenda". Utilizavam agendas como um diário, aproveitando-se da data já impressa em cada página. O que as agendas traziam de diferente dos diários, entretanto, era seu conteúdo, o "recheio". O texto escrito, característica marcante dos diários tradicionais, foi em grande parte substituído por imagens, fotografias, papéis de bombom, ingressos de cinema ou teatro e outros pequenos objetos repletos de recordação, acompanhados de frases curtas, como legendas. Conforme mostra a figura 1, sua autora colocou papéis de doces e confeitos, um desenho que ganhou de uma prima, além da passagem de ônibus interestadual utilizada naquele dia.

Figura 1: páginas de agenda com elementos ilustrativos

Além disso, outro fator importante marcou a diferença entre o diário tradicional e a agenda: a presença de interlocutores. Nas agendas, era permitido escrever frases elogiosas, comentários e lembretes para seu dono. O círculo de amigos e de parentes participava de sua construção. Apesar de manter características próximas às do diário íntimo, a agenda era, em contrapartida, publicizada. A figura 2 retrata uma página de agenda que revela bilhetes deixados por dois amigos-leitores:

Figura 2: agenda com bilhetes de amigos-leitores














Pode-se perceber pela figura 2 que a agenda não deixou de ter sua função básica – anotar compromissos e lembretes do dia a dia –, visto que a autora escreveu "Níver da Luciana" e "Dia da Bandeira" para não esquecer-se de tais atividades.

Da agenda ao blog

A agenda perde a popularidade com a chegada dos computadores e da Internet. Em 1994, o diário íntimo ganha o espaço virtual. Sites pessoais surgem nos Estados Unidos e começam a se espalhar por todo o mundo. Segundo Oliveira, os americanos Justin Allyn Hall e Carolyn Burke teriam sido as primeiras pessoas a manterem um diário on-line.

O fenômeno da primeira onda teve início há sete anos quando pessoas comuns começaram a realizar um ritual que foi ficando cada vez mais frequente: construir um site pessoal e nele, diariamente, depositar o diário ou jornal íntimo on-line. Em 1994 quando começaram a surgir, as homepages de diaristas podiam ser contadas na rede. Atualmente isso não é mais possível. (OLIVEIRA, 2002:122)

As homepages pessoais contavam um pequeno número provavelmente por dois motivos: era necessário conhecimento de programação para colocar uma página no ar; a ideia de publicizar a própria intimidade ainda não tinha muitos adeptos, o que não impediu que a rede fosse invadida por páginas pessoais.

Com o crescimento dos sites pessoais, em 1999, criaram-se ferramentas para facilitar a publicação dessas páginas na Internet. Ainda de acordo com Oliveira,

o principal diferencial da nova ferramenta é que ela trouxe velocidade na criação, postagem e atualização dos ciberdiários, democratizando o acesso de não-especialistas em linguagens como html, ftp, dentre outras, à construção e manutenção das páginas pessoais. Com isso, qualquer pessoa que domine noções básicas de inglês pode ter um weblog ou blog, como passaram a ser chamados os diários criados com este modelo de ferramenta que se assemelha a um editor de textos. (OLIVEIRA, 2002:137)

Os blogs tomaram conta do ciberespaço. Fáceis de usar, gratuitos, sem censura, os blogs podem ser criados por qualquer pessoa, seguindo um passo a passo simples disponibilizado pela própria ferramenta. Além disso, todos aqueles adereços que recheavam as agendas de adolescentes migraram facilmente para o meio digital e acrescidos de links para outros sites e blogs, tornando o recheio maior ainda.

No início, os blogs eram essencialmente voltados para a escrita íntima. Com o tempo, por causa da facilidade de utilização da ferramenta, os blogs passaram a apresentar temática variada de acordo com sua finalidade. Hoje são muito utilizados por jornalistas, por exemplo, que encontraram no blog uma forma de ampliar suas reportagens e permitir a comunicação com seu público leitor.

Blogs são diários eletrônicos ou diários virtuais divulgados na Internet. O termo é uma corruptela de WEBLOG (WEB – a rede de computadores mundial – e LOG – tipo de diário de bordo). São como sites com temas específicos e desenvolvidos por qualquer pessoa com algo a contar. Utilizam o texto escrito como base, mas permitem outras mídias como sons, imagens, pequenos vídeos. São eventos multimídia e muito difundidos pela Internet.

Existem variados tipos de blogs. Classificam-se a partir de diferentes características, como assunto principal tratado pelo blog, quantidade de autores, tipos de mídias utilizadas, sua finalidade, entre outras. O autor de um blog é livre para escolher seu rumo. Jornalistas os utilizam como fontes alternativas de informação e opinião pública; educadores os veem como ambientes para troca de conhecimento; pessoas de um modo geral os criam para expressar-se e falar sobre sua vida particular. Os blogs, enfim, ganharam espaço amplo na Internet, deixando de ser apenas uma manifestação de escrita íntima.

Os diários, na sua "forma de papel", constituem material particular e, muitas vezes, secreto. Já o blog, na "forma virtual", contrapõe-se àquele justamente por ser um texto público e permitir não só a leitura como a interferência por meio de comentários de outras pessoas. O blog é um diário público interativo, ou seja, o leitor é também autor interferindo no texto com seus comentários. Por isso sua vasta utilização para diversas finalidades.

De acordo com Marcuschi (2006:24), "os gêneros são rotinas sociais de nosso dia a dia". Cabe dizer, portanto, que são manifestações verbais de uso coletivo da língua situadas social e historicamente. O diário e também o blog enquadram-se nessa definição. Marcuschi (2006:27) salienta, ainda, que "novos gêneros surgem como desmembramento de outros, de acordo com as necessidades ou as novas tecnologias". É o caso do blog, um derivado dos diários de bordo ou dos diários íntimos. Isso acontece em decorrência da dinamicidade dos gêneros e de sua adaptação às necessidades do usuário da língua.

Bakhtin (1997) diz que há tantos gêneros textuais quantas atividades humanas houver para a enunciação. Nesse sentido, os gêneros são hipoteticamente ilimitados. A Internet surge como mais um suporte para a criação de gêneros. Em relação ao blog, pode-se dizer que acontece uma transmutação de gêneros, já que a produção escrita na Internet não deixa de ser uma transposição de gêneros escritos em papel para o novo suporte, com novas características para se adaptarem à tecnologia existente.

Bakhtin também aponta para a existência de uma "esfera da comunicação" em que se tem a língua como o lugar de interação humana. Os gêneros textuais dão suporte a essa interação. A princípio, teríamos as esferas da oralidade e a da escrita. Atualmente, podemos incluir também a esfera da linguagem digital, que engloba tanto a linguagem escrita como a oral, além de uma esfera da linguagem não verbal, representada por imagens, vídeos, sons, enfim, um aparato possibilitado pelo meio digital. Os blogs constituem uma esfera de comunicação digital já que, para o autor, a interação se dá entre indivíduos organizados socialmente. Para ele (1997:279), "todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua."

O blog caracteriza-se como gênero digital, principalmente por ser um hipertexto. Traz marcas do diário tradicional de papel, mas incorpora outras características pertinentes ao suporte em que se encontra, como a navegabilidade, a inclusão em uma esfera de comunicação digital, os aspectos semióticos.

Por ser uma ferramenta digital, o blog oferece vantagens que o diário de papel não permite: além dos objetos, músicas, filmes, animações são inseridos com facilidade. Um blog passa, assim, a um somatório de elementos dispostos ao lado do texto escrito, sem uma limitação aparente. Na figura 3, há um vídeo que, ao ser executado, toca uma música, ao lado do vídeo há uma foto com um texto produzido pela autora do blog. Abaixo do texto há um espaço denominado 'Pensamentos diferentes' com links para outros blogs. Enfim, o blog apresenta, somente neste pequeno recorte, foto, vídeo, som e texto, ressaltando seu caráter hipertextual e multimídia.

Figura 3: Blog Anja de Asa Insana

Diferentemente do diário tradicional, no entanto, o blog não se pretende como um registro particular e secreto, restrito a seu autor ou a um seleto grupo de leitores. Por apresentar como suporte a Internet, o blog é um registro aberto, público, que tem como leitor qualquer pessoa que acesse o endereço digital dessa expressão diarista e, por isso, carrega características próprias, distinguindo-o de outras espécies de diários.

Figura 4: Blog com janela de comentários





















A ferramenta de construção do blog conta com um recurso que possibilita a escrita de textos por qualquer pessoa que o acesse, comumente denominado "comentários" (Figura 4). Janelas abrem-se para que o leitor-navegante manifeste-se, comentando o texto original do blogueiro (autor do blog). Isso traz um caráter de conversa, permitindo a troca de informações e a interação entre os participantes dessa comunidade criada pelo blog.

Comparação entre as categorias do diário íntimo, da agenda de adolescente e do blog pessoal

Dessa forma, podemos fazer uma comparação entre os três gêneros do modo confessional, elencando suas categorias, para notar as que são pertinentes a cada um deles, com suas variações em função do meio em que são publicados.

Quadro 2: Comparação entre as categorias do diário de papel, da agenda e do blog pessoal

Percebe-se com o quadro 2 que muitas categorias existentes no diário de papel repetem-se tanto na agenda como no blog. As categorias que sofrem mais alterações, ou que não se apresentavam no gênero antecedente, comportam-se assim em função do suporte e da presença do interlocutor materializado em um leitor que faz comentários por escrito. No entanto, a maioria das categorias permanece a mesma, garantindo a finalidade à que se propunha, levando a crer que o blog pode, de fato, ser considerado um diário íntimo da Internet, definição a que muitos autores se opõem.

O blog no ensino da Língua Portuguesa

O ambiente de rede configura-se como um meio para promover cooperação, descobertas e transformações mediante a integração de pessoas conectadas à rede, favorecendo a construção de uma prática social com condições de ativar os mecanismos cognitivos e promover o processo de aprendizagem, resultando na construção de um método de organização e análise de dados.

O que mais chama a atenção, entretanto, é o intenso uso da escrita nos meios eletrônicos. Uma escrita com características específicas, próprias, uma escrita contemporânea, jovem. Mourão (2003) afirma que

a literatura gerada por computador é uma literatura do fluxo, do instantâneo, do móvel, do universal, do interactivo. A informática põe em causa sobretudo a componente material do signo (...) confere ao texto informático características que não apresenta em nenhum outro suporte (MOURÃO, 2003, s/p).

Das diversas formas de escrita que existem na Internet, a do blog merece especial atenção por ser, hoje em dia, bastante utilizado por milhares de jovens e adultos do mundo inteiro.

A escola é um espaço de produção de conhecimento por excelência. Tal produção utiliza a língua escrita como modalidade prioritária de registro, por meio de trabalhos escolares, redações, pesquisas. Entretanto, o registro escrito produzido na escola muitas vezes limita-se à leitura por apenas uma pessoa: o professor, que o analisa, avalia e devolve ao estudante que, por sua vez, arquiva ou descarta o trabalho. Enfim, não é divulgado ou socializado, não é partilhado entre outros leitores, não exerce a função social a que um texto escrito destina-se.

A escola também é espaço de diálogo. Na concepção bakhtiniana, o diálogo relaciona-se tanto à linguagem quanto à comunicação por sua característica reflexiva. O diálogo é alternância entre enunciados, entre sujeitos falantes, geralmente de posicionamentos diferentes. Pode-se, portanto, compreender a palavra diálogo "não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja" (Bakhtin, 1979, p.109).

O diálogo na escola tem significado de troca de informação, troca de conhecimento, ou seja, de comunicação. No trabalho escolar ou na redação, o diálogo também está presente, mas de maneira reduzida e unilateral: o aluno produz, o professor critica, e não há direito à réplica.

O uso de computadores na educação possibilita novas formas de interação, de diálogo ampliado entre professor e aluno, entre aluno e aluno, entre professor, aluno e mundo. Os recursos do meio digital favorecem o exercício da argumentação e a explicitação do ponto de vista, quando muitas vezes a sala de aula não oferece oportunidade para isso.

Por outro lado, como a escola é também o espaço de ensino da língua padrão, da língua de prestígio, aproveitar as ferramentas digitais para desenvolver habilidades de escrita de acordo com a norma é recurso imprescindível e atual para a educação. Os estudantes já dominam a tecnologia e utilizam-na em seu dia a dia para os mais variados fins.

Considerando-se todas as características e categorias listadas anteriormente, percebe-se que o blog é uma ferramenta que se mostra parceira das atividades escolares no que tange ao ensino da Língua Portuguesa.

Se levarmos em conta que as classificações dos textos remontam a Aristóteles com seus três grupamentos – lírico, épico, dramático – e que hoje tendemos ao infinito quanto ao número de gêneros existentes, constataremos o que Bakhtin afirma: os gêneros são tantos quanto as atividades humanas. Com o advento da Internet, outros gêneros surgiram e uns tantos se adaptaram ao novo suporte. Foi assim com o diário, com a carta, com o telefonema, enfim, com os vários gêneros discursivos da modernidade. O blog também se enquadra nesse grupo.

A passagem do diário de papel para o diário digital – o blog – deu-se efetivamente pela agenda, que já demonstrava certo caráter multimídia. Com a facilidade de utilização da ferramenta, o blog passou a ocupar o lugar do diário de papel por ser, então, um facilitador de postagens de diversas mídias. Isso não quer dizer que o diário de papel foi abandonado por seus seguidores, mas que vários outros praticantes da escrita sobre si apareceram em função da facilidade que o meio digital proporciona.

O exercício diário de escrever um blog requer maturidade. Apresentar conteúdo novo e motivador a cada post não é tarefa fácil. Somente aqueles que realmente gostam de escrever e de ler aventuram-se na continuidade exigida pelo suporte. A escrita de blogs demanda mais energia, pois envolve o outro, envolve aprovação e aceitação.

Diante da situação da escola que tradicionalmente vive dificuldades na área da leitura e da escrita e considerando que o conhecimento sempre trilha novos caminhos, principalmente na área das tecnologias, o uso dos blogs é uma alternativa entre tantas outras, já que a escola é um espaço de leitura e escrita.


Carmen Pimentel
Doutora em Letras (Língua Portuguesa), UERJ/2010
Professora Substituta de Língua Portuguesa, UERJ.
Doutorando em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira)/UFRJ
Recebido em 20/03/2011
Aprovado em 20/04/2011

Referências:

BAKHTIN, Mikail (1997). Estética da criação verbal. São Paulo, SP: Martins Fontes.
LEJEUNE, Philippe (1971). L'autobiographie en France. Paris: A.Colin, Col. U2.
LÉVY, Pierri (2000). Cibercultura. 2 ed. São Paulo, SP: Editora 34.
MACIEL, Sheila D. (2004). A literatura e os gêneros confessionais. In: Antonio Rodrigues Belon & Sheila Dias Maciel (Orgs.). Em diálogo: estudos literários e linguísticos (pp. 75-91). Campo grande, MS: Ed. UFMS.
MARCUSCHI, Luiz Antônio (2002). Gêneros textuais: definição e funcionalidade In: A. P. Dionísio, A. R. Machado & M. A. Bezerra (Orgs). Gêneros Textuais & Ensino (pp. 19-36). 2 ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lucerna.
MARCUSCHI, Luiz Antônio (2006). Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: A. M. Karwoski, B. Gaydeczka & K. S. Brito (Orgs). Gêneros textuais: reflexões e ensino (pp. 23-36). 2 ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lucerna.
OLIVEIRA, Helênio F. de (2007). Gêneros textuais e conceitos afins: teoria. In: André Valente (Org.) Língua portuguesa e identidade: marcas culturais (pp. 79-92). Rio de Janeiro, RJ: Caetés.
OLIVEIRA, Rosa Meire Carvalho de (2002). Diários íntimos na Era Digital. Diários públicos, mundos privados. In: Ciberpesquisa. Disponível em: . Acesso em out. 2008.
REMÉDIOS, Maria Luiza Ritzel (1996). A preservação da vida na escrita: o diário de Getúlio Vargas. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 17.
VILLANUEVA, Darío (1991). El polen de las ideas. Teoría, crítica, historia y literatura comparada. Barcelona, PPU: Literatura y Pensamiento en España.
XAVIER, Antonio Carlos (2002). O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação digital. Campinas, SP: Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP. Tese de Doutorado em Linguística.

Notas

1 - Publicado na Abralin, em 2011.
2 - O termo "diarista" é amplamente utilizado por estudiosos do gênero diário e será adotado aqui também. Refere-se ao autor ou escrevente de diários.
3 - Justin' s Links (http://www.links.net). Justin escreve em sua página pessoal desde janeiro de 1994, quando tinha 19 anos. Hoje, com 33, Justin ainda mantém um site em que publica diversas informações a seu respeito.
4 - Carolyn Diary Museum (http://diary.carolyn.org/). Carolyn manteve sua página na Internet em forma de diário de Janeiro de 1995 (aos 30 anos) a maio de 2002. Atualmente ela publica cartas esporadicamente para deixar seus leitores a par do que tem feito.

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