UMA RECONSTRUÇÃO DO CAMPO LITERÁRIO, PROMOVER O TRABALHO DA "DESORDEM DO SÉCULO"
Margaret Cohen
New York University
Tradução de Maria Cristina Batalha
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ
cbatalh@gmail.com
Uma reconstrução do campo literário, promover o trabalho da "desordem do século"
O presente artigo é a introdução do ensaio A educação sentimental do romance que, com base no exame das dinâmicas intraliterárias, visa mostrar que, ao longo do século XX, a transformação do romance francês, de divertimento agradável a poderosa análise social, foi identificada com os códigos realistas, que desempenharam um papel essencial na literatura e na cultura francesas quanto na literatura e cultura do mundo inteiro. Este foi associado a dois grandes autores, Balzac e Stendhal, que inventaram suas poéticas através de uma luta heróica dentro do campo social e literário para compreender o significado das turbulências econômicas, políticas e sociais contemporâneas, geradas pela Revolução francesa. O arquivo literário que ficou esquecido permite compreender que os dois autores que inventaram o realismo não o fizeram de modo isolado, mas sim em resposta a outros romancistas de sua época, assim como à "desordem do século".
Palavras chave: Literatura Maior. Literatura Menor. Cânone Realista. Arquivo Literário.
The present paper introduces the essay "A Educação sentimental do romance"
(Emotional education through the novel) which, on the basis of an investigation of intra-literary dynamics, attempts to pinpoint the ways in which the transformation of the French novel, in the twentieth century, from pleasurable leisure to powerful tool of social analysis was identified with realistic codes, which had a crucial role in French literature and culture, as well as in world literature and culture, at large. The French novel is generally associated with two important authors, Balzac and Stendhal, who invented their poetics by way of a heroic struggle, within the social and literary field, to understand the meaning of economic, political and social turbulences produced by the French Revolution. The literary archives which remained forgotten allows for understanding that the two authors who invented realism did not produce their work in isolation, but rather in response to other novelists, as well as to the so-called "disorder of the century".
Key words: Major literature. Minor literature. Realist canon. Literary archives.
Antes de 1830, o romance era considerado na França como um "agradável divertimento de nobres ociosos", como escreveu o renomado crítico Charles-Marie de Féletz, retomando ele próprio uma célebre expressão do século XVII . Após 1830, o gênero romanesco torna-se uma forma de análise social e cultural, reconhecida e dotada do mais alto prestígio literário . "Racine e o café passaram; o asfalto e o macadame passarão, mas o romance não passará", declarava, em 1838, um cronista impressionado com a preeminência adquirida recentemente pelo romance. E a história deu razão a esse julgamento literário. Quando teve que descrever, em O Povo (1846), a classe social que havia emergido como força política a partir da Revolução, Jules Michelet testemunhou a imensa autoridade do romance em matéria de pintura das relações sociais. Deixando de lado as análises estatísticas e as histórias econômicas em função dos seus "resultados parciais, artificiais", Michelet voltou-se preferencialmente para os "escritores, os artistas": os romancistas franceses importantes, cujas obras de envergadura, julgava ele, forjavam naquele momento a imagem da sociedade francesa tanto no exterior quanto na França .
Ao longo do século XX, a transformação do romance francês, de divertimento agradável a poderosa análise social, foi identificada com os códigos realistas, que desempenharam um papel tão essencial na literatura e na cultura francesas quanto na literatura e cultura do mundo inteiro. Ele também foi identificado a seus dois grandes autores, Balzac e Stendhal, que inventaram suas poéticas retumbantes, através de uma luta heróica para compreender o significado das turbulências econômicas, políticas e sociais geradas pela Revolução Francesa. "Balzac extraiu um mundo da desordem do século", afirmava Heinrich Mann, em uma versão extrema do relato mítico que alimentou os estudos do realismo, atentos aos fatores materiais que condicionavam os textos literários, desde Lukács até Auerbach .
Quando Balzac descrevia esses fatores do ponto de vista privilegiado de seu próprio presente, contava, entretanto, um conto menos heróico: "Vocês saberão que, sob todas essas belas coisas sonhadas, agitam-se homens, paixões e necessidades. Vocês participarão obrigatoriamente de lutas horríveis, obra a obra, homem a homem, partido a partido". É nesses termos que Lousteau advertia Lucien a respeito da competição à qual estava condicionada a criação literária, no momento em que as Ilusões perdidas descreviam o outro lado da história literária . Façamos aqui, da advertência de Lousteau, a epígrafe da releitura crítica proposta neste estudo. Nossa pergunta de base é como o romance moderno na França constituiu-se em resposta aos conflitos internos da produção literária e, ao mesmo tempo, respondendo a uma mutação social considerável?
A atenção que dedico às dinâmicas intraliterárias que estruturam aquilo que se pode considerar como o mais influente código romanesco até então inventado, ultrapassa a incontornável necessidade de levar em conta os termos que uma época histórica adota para representar-se a si mesma. Quando Balzac vincula a literatura às "horríveis lutas" da produção literária, ele propõe igualmente, parece-me, uma solução futura para o problema essencial, embora insuficientemente evocado, que os estudos literários contemporâneos enfrentam, a saber, como escrever a história literária no rastro do pós-estruturalismo? Desde os seus primórdios, a teoria pós-estruturalista constituiu-se contra a história literária tradicional, descredenciando conscientemente seus conceitos fundamentais . Contudo, simultaneamente, os contornos de uma nova história literária permaneceram surpreendentemente inexplorados no âmbito de um paradigma pós-estruturalista, no qual os críticos literários, preocupados com a história, concentraram-se tanto nas questões gerais que versavam sobre a relação entre história e literatura, que eles não examinaram a história da literatura per se .
Talvez seja por isso que as análises pós-estruturalistas mais rigorosas e mais influentes sejam algumas vezes perseguidas, embora estas também as possuam, pelas categorias descredenciadas da história literária. Com a exceção da análise do romance moderno feita pelos pós-estruturalistas , que remetem o seu aparecimento na França aos "primeiros grandes realismos" de Balzac e, algumas vezes de Stendhal, nenhuma outra corrente de pesquisa aborda isso de modo evidente. Assim, os críticos materialistas não apenas se servem de uma periodização da história literária, baseada nas mesmas obras primas e nas mesmas estéticas canônicas que uma geração anterior de críticos, como, ainda por cima, deixam intacta a própria noção de obra prima. Onde persistem essas noções, outras noções descredenciadas não foram totalmente abandonadas. Se aceitamos conceber a história literária como uma coleção de obras primas, temos que aceitar a concepção de que a própria literatura evolui em "um tempo homogêneo e vazio", em oposição àquilo que o materialismo toma como característico da história no nível do conjunto da organização social que é o processo de conflito . E se, indiscutivelmente, nós identificamos o realismo e o romance moderno, atribuímos a essa forma narrativa uma dimensão teleológica retrospectiva, que perpetua o mito da história literária como progresso.
Assim como a existência de tais pontos cegos ilustra, os últimos vestígios da história literária tradicional encontram-se no método segundo o qual os críticos conceitualizam os aspectos literários dos textos literários. Para repensá-los e, ao mesmo tempo, fazer justiça à inflexão materialista do pós-estruturalismo, meu estudo propõe que levemos em conta as Ilusões perdidas, compreendendo a literatura como uma rede de relações sociais, feita de instituições formais e informais, que vão das academias e editoras aos movimentos vanguardistas e aos gêneros literários. Eu reconsidero a emergência do realismo na França para interrogar, particularmente, a maneira pela qual os códigos realistas foram estruturados pelos contextos romanescos nos quais apareceram. Balzac e Stendhal inventaram efetivamente o realismo de modo isolado ou a poética realista respondia a outros romances e a outros romancistas contemporâneos, assim como à "desordem do século"? Para responder a essa pergunta, é indispensável restituir os trabalhos fundadores do realismo na paisagem romanesca francesa na primeira década do século XIX. Isso impõe a reconstrução de tal paisagem, pois o triunfo do realismo a relegou ao completo esquecimento .
A Educação sentimental do romance é, por conseguinte, uma história literária baseada em arquivos. Arquivos, antes de tudo, no sentido de documentos empoeirados, abandonados nas bibliotecas. As práticas que estruturam a gênese do realismo francês encontram-se em romances cuja lembrança foi preciso resgatar; em seguida, foi necessário situá-los, antes mesmo de poder lê-los. E entendo por arquivo aquilo que foi definido por Foucault, quando este procurou afastar a pesquisa histórica das obras individuais a fim de aproximar-se das estruturas discursivas que as sustentam, embora eu me interesse aqui por uma concepção de arquivo bem diferente da dos críticos que deram a esse conceito um papel de destaque nos estudos literários norte americanos durante os últimos vinte anos. Como ilustra o novo historicismo, os arquivos foram maciçamente assimilados aos discursos não literários que atravessam a organização social. Os arquivos não são, por conseguinte, sinônimo de não-literalidade. A literatura dispõe de seus próprios arquivos. Os livros dos quais nos lembramos não representam senão uma pequena fração do passado literário, conforme observou recentemente Franco Moretti, em um importante trabalho sobre a contribuição dos arquivos literários, como fontes de material bruto para a renovação da história literária. Os estudos literários têm muito o que aprender sobre a mutação que ocorreu na História, passando de uma historiografia de exceções a uma historiografia de normas, dominada por convenções, ao mesmo tempo "repetitiva e lenta – até entediante. [...] Mas estaremos certos de que o tédio seja realmente entediante?" .
Em minha leitura arqueológica, Balzac e Stendhal aparecem como produtores entre outros produtores, em busca de um "nicho" que possa oferecer, ao mesmo tempo, recompensa econômica e cultural no mercado dos gêneros. Podemos verificar que os romances realistas não foram considerados unanimemente como obras primas em sua época e que a estética realista não era a última maravilha do romance moderno quando surgiu pela primeira vez. Diríamos até que Balzac e Stendhal fizeram suas opções na parte do mercado que lhes cabia, por ocasião de uma tomada de controle hostil da prática romanesca dominante, no momento em que começaram a escrever, a saber, o romance sentimental produzido por mulheres escritoras. E eles combateram escritores que contestavam o prestígio da sentimentalidade com a ajuda de outros códigos, e que seus contemporâneos também acharam atraentes, senão mais.
Construindo a literatura como uma produção social conflitante, um estudo desse tipo elabora-se num campo crítico em plena efervescência, na interseção da história literária materialista (sobretudo feminista), da história do livro e da sociologia das instituições culturais. Essas abordagens metodológicas renovam completamente a maneira como consideramos a historicidade do objeto literário, embora sua coerência transdisciplinar requeira ainda uma articulação de forma teórica rigorosa. Para conceituar as lutas literárias que estruturam os códigos textuais, recorri, particularmente, à teorização da literatura proposta por Pierre Bourdieu, no prolongamento da reflexão balzaquiana, mesmo que este não tenha dado o devido valor às Ilusões perdidas .
O GÊNERO É UMA RELAÇÃO SOCIAL
O papel preponderante do gênero na história posterior do romance francês corrobora uma observação famosa de Marx e fundamental para Bourdieu. Embora sejam os autores que engendram as poéticas, eles não o fazem segundo a sua própria vontade. Mais exatamente, eles as engendram em relação com os discursos já estabelecidos e nos quais buscam intervir – no caso das lutas descritas aqui, as posições significativas para a definição do romance. Ao longo da primeira metade do século XIX, essas posições se distinguiam segundo a problemática genérica. Meu projeto de exumar as lutas poéticas esquecidas que estruturaram a emergência do realismo afeta, então, o paradigma, ou melhor, o problema do gênero.
Conforme observa Jameson, a noção de gênero está "completamente desacreditada pela teoria literária moderna", porque ela foi historicamente delimitada com uma absoluta falta de rigor crítico . Além disso, a tendência desconstrutivista do pós-estruturalismo, com sua concepção negativa da textualidade, parece dar ao gênero o seu golpe de misericórdia. Na perspectiva desconstrutivista, assimilar os romances de Balzac, Stendhal ou Flaubert ao código realista significa passar ao lado daquilo em que reside o seu maior interesse, ou seja, a maneira pela qual eles parodiam as convenções, questionam e subvertem as representações realistas que eles próprios, ao mesmo tempo, oferecem. A teoria desconstrutivista operou igualmente um útil desmantelamento do projeto taxinômico que subentende a tradicional articulação dos gêneros.
Desvencilhar-se da noção de gênero com o pretexto de que a história literária tradicional não soube fazer-lhe justiça seria, entretanto, uma perda perniciosa. O conceito não revela talvez nada quanto à textualidade, mas ele revela muito a respeito da prática social da literatura, pois o gênero é uma prática social, ou, como define Jameson, um contrato social . Como inscrição na poética das expectativas do autor e do leitor que estruturam o texto, as convenções genéricas transmitem informações essenciais sobre a situação de um texto nas trocas literárias da época, esclarecendo a respeito da sua relação com o público. A atenção dedicada ao gênero coloca igualmente em xeque uma sociologia da literatura simplista que estabelece a dimensão social de um texto no nível de seu conteúdo, e complexifica, simultaneamente, a equivalência estabelecida por Foucault entre a significação social de um texto e sua participação nos discursos não literários. Conforme observa Jameson, o problema do gênero "sempre manteve, na verdade, uma relação privilegiada com o materialismo histórico", interpondo-se entre as obras individuais e "a evolução da vida social".
Quando abordamos o gênero como relação social, afastamo-nos, de quebra, da oposição entre texto individual e classe, que trouxe problemas para a teoria dos gêneros desde as suas origens clássicas. Para retomarmos os termos de Bourdieu, o gênero é uma posição. O gênero designa o fato de que os escritores dividem um mesmo conjunto de códigos quando respondem a um espaço dos possíveis, um horizonte formado pelas convenções literárias e as imposições que determinam, para cada escritor, uma posição particular dentro do campo; melhor dizendo, quando eles solucionam o espaço dos possíveis, pois esse espaço dos possíveis é dinâmico e toma a forma de "problemas a serem resolvidos, possibilidades estilísticas ou temáticas a serem exploradas, contradições a ultrapassar, ou até mesmo rupturas revolucionárias a operar". Ele constitui uma problemática literária, que interage com fatores situados no nível da organização social em seu conjunto, para formar poéticas textuais . Uma vez retomando seu caráter de posição, o gênero – ou o subgênero, como no presente caso – torna-se, pela própria essência, intertextual e intergenérico simultaneamente: uma relação sistêmica, sincrônica . Os códigos que constituem um subgênero não são apenas dotados de uma coerência interna enquanto resolução de uma problemática, mas adquirem sua identidade de maneira racional, contra outras respostas importantes à mesma problemática.
A partir do momento em que o gênero é considerado como uma posição, as diferenças entre as realizações individuais do gênero tornam-se importantes quando um texto transgride seu horizonte genérico dominante (no sentido estruturalista). Ao violar os códigos que são seu ponto de partida, ele se engaja naquilo que Bourdieu chama de tomada de posição, na medida em que seu autor solicita menos o leitor por meio de uma prática estabelecida, dotada de um prestígio simbólico ou de um atrativo comercial, do que contra uma tal prática. Como observa Bourdieu, as tomadas de posição individuais se cristalizam em posições quando são reconhecidas por seus contemporâneos, quando o simples fato de utilizá-las torna-se marcado simbólica ou economicamente. O índice de uma posição que a análise estabelece é, antes de tudo, da ordem textual. Sua existência fica comprovada quando o crítico faz a descoberta de vários textos que compartilham um conjunto de códigos. As reflexões dos autores contemporâneos e dos leitores permitem igualmente iluminar as distinções pertinentes entre as práticas, a significação social e estética dessas práticas, bem como seu estatuto literário e cultural . Entretanto, essas opiniões não são descrições científicas, mas fazem parte de um índice a ser interpretado.
A Educação sentimental do romance utiliza, assim, o realismo, esse monstro informe e pouco nítido, de uma maneira restritiva; tendo a preocupação de identificar as tomadas de posição de alguns escritores, que se cristalizam rapidamente em uma posição por volta de 1830, ou seja, em um conjunto de códigos simbolicamente marcados, e que respondem a uma problemática que define um momento específico do romance. Como assinalei anteriormente, essa problemática implica a morte do subgênero sentimental, que dominava o romance na primeira parte do século, consequência de transformações ao mesmo tempo extraliterárias e especificamente literárias, no contexto da Revolução de Julho. Os códigos realistas são, a partir de 1830, uma maneira poderosa para os escritores de tentar uma renovação do romance francês. O romance social sentimental é a principal solução alternativa à qual alguns recorreram durante os anos de 1830 e 1840.
Se Bourdieu situa uma posição na interseção de problemas e contradições, simultaneamente intraliterárias e extraliterárias, ele deixa vagas as dinâmicas segundo as quais um problema é resolvido. No caso de uma posição que toma a forma de um subgênero, nós podemos esclarecer a dimensão extraliterária dessas dinâmicas com a ajuda de críticas materialistas que resgatem o gênero de seus abusos tradicionais. Em leituras de tanto peso como a de Jameson sobre o romance, a de Moretti sobre o bildungsroman, a de Nancy Armstrong sobre o "romance doméstico", os códigos genéricos nos trazem informações essenciais sobre o apelo ideológico de um texto. Na terminologia althusseriana de Jameson, o romance nasce como uma "solução imaginária" para uma "contradição real", abalando os valores da nobreza feudal . Para Moretti, o bildungsroman clássico resolve uma tensão fundamental dentro de uma sociedade liberal-democrática entre, de um lado, a primazia do indivíduo e, de outro, o processo de normalização essencial para o funcionamento harmonioso dessa sociedade . De modo análogo, as "ficções domésticas" oferecem, para Armstrong, uma visão ideal do amor nas classes médias e da diferença sexual, que "cria a realização pessoal, onde antes havia um conflito interno, e cria a unidade social, onde antes havia os interesses de classe em luta" . Se nós associarmos o modelo materialista com o de Bourdieu, um subgênero torna-se um conjunto de estratégias poéticas que oferece uma solução ficcional convincente para as explosivas contradições sociais contemporâneas, ao mesmo tempo em que resolvem uma problemática específica do campo literário.
Quando Jameson, Moretti e Armstrong definem o gênero, eles se interessam pela evolução de suas respectivas formas. A dimensão diacrônica do conceito fica preservada quando ele é identificado a uma posição no interior de um sistema sincrônico. Se uma posição é suficientemente atraente, ela pode sobreviver e adaptar-se a diferentes estados do campo literário, como bem ilustra a história do realismo no século XIX.
Bourdieu sublinha que existem duas espécies de práticas, particularmente importantes para os escritores quando estes moldam sua obra: a ou as posições dominantes que definem a problemática quando eles começam a escrever, bem como as outras respostas a essa posição, as quais representam a mais importante concorrência contemporânea para um escritor. A Educação sentimental do romance descreve as duas espécies de posição, exumando formas genéricas esquecidas. O primeiro capítulo desenha a coerência poética e ideológica da sentimentalidade no início do século XIX, a prática romanesca mais apreciada, quando Balzac e Stendhal fazem sua aparição no campo literário. O capítulo seguinte redefine a emergência do realismo como deslocamento dos códigos da sentimentalidade. A obra exuma, então, o romance social sentimental, que formava o outro conjunto de códigos romanescos de importância, elaborado para renovar o romance contemporâneo, conjuntamente com a emergência do realismo. Cada descrição genérica está decomposta em seções que correspondem globalmente aos códigos que definem o subgênero.
Na conclusão do meu estudo, abordamos a questão do admirável espaço de convergência entre uma situação genérica e uma situação do sujeito, no caso das mulheres que renovam o romance francês por volta de 1830. A história literária oferece poucos casos em que o gênero como categoria narrativa e o gênero como diferenciação sexual encontram-se tão claramente imbricados: o que levava as companheiras de profissão de Balzac e Stendhal a permanecer tão maciçamente ao largo do realismo desde as suas primeiras aparições? Colocando-nos essa questão, torna-se possível complexificar a abordagem, mais abstrata de início, para então considerar o escritor como produtor. Seguindo Bourdieu, admito que os escritores recorrem a poéticas que convêm aos determinantes de suas posições sociais enquanto sujeito, e, ao mesmo tempo, lhes são vantajosas, notadamente para aqueles determinantes que afetam sua situação no seio da dinâmica da produção literária .
A última seção apresenta um projeto mais especulativo do que as descrições genéricas precedentes na medida que tratamos de explicar aquilo que não foi, mais do que exumar aquilo que foi. Consequentemente, eu dei a ela uma forma mais aberta, ou seja, a de um instrutivo estudo de caso. Para estabelecer as bases dos fatores que, talvez, tenham transformado o realismo numa posição proibida para as companheiras de profissão de Balzac e Stendhal, eu ressuscitei a carreira literária de uma autora que utilizou esse termo a fim de estabelecer um diagnóstico da situação da "mulher autora" de modo mais geral. Caroline Marbouty foi inicialmente uma amiga de Balzac, mas suas relações com ele tornaram-se tensas após a crítica feita por Balzac, em La Muse du département, de um romance social sentimental que ela havia publicado. Marbouty responde então com um romance social, Une fausse position (Uma posição falsa), que reescreve a descrição do campo literário feita por Balzac nas Ilusões perdidas, mas do ponto de vista de uma mulher escritora.
FORA DE USO
Ao exumar as lutas imbricadas em torno do gênero como categoria narrativa e do gênero como diferenciação sexual, que chamamos agora a emergência do romance moderno francês, uma tal obra deve trabalhar em cima de uma literatura que não se faz mais, que está "fora de uso" , para retomarmos a formulação de uma das numerosas explicações com as quais a biblioteca nacional justifica que um leitor possa encontrar dificuldades para obter uma obra solicitada. Os livros fora de uso não estão verdadeiramente perdidos para os leitores contemporâneos, pelo menos não estavam na Biblioteca Nacional, em Paris, na rua Richelieu, no início dos anos 1990. Eles apenas exigiam um nível suplementar de motivação intelectual, pois a capa de papel ensebada azul e amarela desintegrava-se ao simples toque; livros de tão pouco interesse que durante todos esses anos ninguém havia pensado em mantê-los em bom estado e muito menos ainda em lê-los.
Porém o acesso físico aos documentos não foi a dificuldade maior, nem seguramente a última, quando se trabalha com a literatura "fora de uso". A definição dos arquivos não é evidentemente algo óbvio, exigindo a mistura habitual e difícil de se avaliar entre busca indiscriminada e achados preciosos através dos quais um crítico traça seu caminho nos problemas teóricos não resolvidos. Contudo, uma vez que nos sentamos para ler os livros, os problemas estão apenas começando. Se a ressurreição de um gênero à qual eu me dedico toma a forma de descrições abstratas, essas descrições exprimem muito mediocremente a que ponto eu considerei ilegíveis tanto os romances sentimentais quanto os romances sociais sentimentais quando eu os leio a partir de uma expectativa realista. A literatura "fora de uso" põe à prova a ilusão que um leitor atento possa conceber a lógica estética do texto. A leitura cuidadosa, tal qual é geralmente praticada, depende de um conjunto de expectativas estéticas que formam uma segunda natureza, mas que procedem precisamente de uma história feita da leitura de obras que não caíram em desuso.
A principal dificuldade de uma exumação é retirar dessas expectativas seu caráter de naturalidade e apreender a literatura esquecida segundo os seus próprios termos. Qual a poética característica de uma obra? Qual é a lógica estética e a força ideológica dessa poética? Por não compreender que as obras esquecidas estão estruturadas por uma estética coerente, mesmo que esta esteja agora perdida, nós as desqualificamos, julgando-as sem interesse ou inferiores, segundo os termos da estética que prevaleceram sobre elas. Esse erro foi, aliás, cometido por críticos que, no passado, prestaram a atenção à sentimentalidade do começo do século XIX, mas que a denegriram ou pela falta de realismo, ou que a recuperaram como sendo realista a qualquer custo .
A chave para se ter acesso à integridade de uma obra particular é a problemática contemporânea na qual a sua poética se estrutura. Como observa Bourdieu, "todo produtor cultural está irremediavelmente situado e datado na medida em que ele participa da mesma problemática que o conjunto de seus contemporâneos" . Definir a problemática nos permite chegar à estética de um texto e às suas implicações ideológicas. A partir do momento em que colocamos em relação um texto e uma problemática, podemos conceber seus códigos específicos como soluções, mais do que como aberrações do ponto de vista de nossos critérios estéticos correntes.
A reconstrução de uma problemática a partir do balanço exaustivo de tudo o que foi publicado na época seria naturalmente uma tarefa fadada ao insucesso, até porque a problemática não abarcaria senão uma pequena faixa do campo literário, como é o caso de um estudo dedicado às transformações do romance. Todavia, podemos ter o controle dessa problemática trazendo à tona vários de seus aspectos determinantes. É fundamental estabelecer com quais outros textos um texto esquecido se parece. Ele pertence a uma posição que foi, como é o caso do meu estudo aqui, um subgênero? Se não for o caso, em que ele diverge das posições importantes da época? Muitas vezes, a posição que estrutura o texto esquecido foi ela própria esquecida também e torna-se necessário percorrer arquivos em busca de outros textos nessa posição, a partir de semelhanças não teorizadas, como títulos similares e preocupações temáticas compartilhadas . Esse tipo de leitura ainda não é uma leitura rigorosa, na medida em que repousa sobre a atenção dada ao momento em que um texto vai, simultaneamente, reproduzir as normas poéticas contemporâneas e delas se afastar, e à maneira como isso ocorre. É o que Sharon Marcus descreve como "leitura dos motivos" ; esta implica procurar repetições no nível das estruturas textuais e estabelecer um repertório de códigos mais visíveis .
Para colocar em evidência a coerência de um texto esquecido é igualmente útil identificar as posições e tomadas de posição conhecidas que respondem à mesma problemática, mesmo que o texto esquecido apresente diferenças substanciais em relação a elas. A ausência de descrição no romance social sentimental é flagrante, até mesmo, diria eu, desconcertante no começo, em contraste com as descrições aprofundadas das obras realistas fundadoras que lhe são contemporâneas. De modo similar, as intrigas sentimentais repetitivas contrastam ainda mais quando as colocamos em relação com as hermenêuticas imprevisíveis da leitura realista. Porque as posições e as tomadas de posição foram teorizadas, elas servem para identificar não apenas a especificidade da prática esquecida, mas também as implicações estéticas e ideológicas. Como veremos, as análises das contradições sociais que estruturam o realismo oferecem um atalho para se chegar às contradições extraliterárias que estruturam a poética social sentimental.
Há ainda uma outra etapa importante na definição de uma problemática: a compreensão das práticas dominantes, fruto do momento literário histórico que a precede imediatamente, e que contribuem para estabelecer os seus termos. Porque essas práticas foram, um dia, dominantes, elas podem apresentar a vantagem de serem conservadas em memória e analisadas nos dias de hoje. Como eu havia inicialmente exumado o romance social sentimental no começo de minhas pesquisas, eu tive que reatravessar dois momentos anteriores do romance francês para dominar uma tal prática. Quando percebi que a sentimentalidade do início do século XIX estabelecia os termos das lutas para a dominação do romance sob a Monarquia de Julho, eu tive somente que ir mais adiante e mais fundo nos arquivos, pois também isso havia sido esquecido. Entretanto, a partir do momento em que comecei a conceitualizar a sentimentalidade do século XIX em relação à sentimentalidade pré-revolucionária, eu me beneficiei do acesso a uma rica bibliografia crítica, que trouxe à luz a coerência de uma literatura sentimental "fora de uso" mais tardia.
Um outro tipo de texto útil para o estabelecimento da coerência da literatura esquecida veio de fora da problemática que eu estava reconstituindo. As implicações em questão nas obras esquecidas, ao mesmo tempo literárias e sociais, são muitas vezes conservadas na teoria estética contemporânea, mesmo que essa teoria não pareça levá-las em conta diretamente. Singularmente, a concepção de Hegel da tragédia clássica pode revelar-se útil para reconstruir a lógica da sentimentalidade, na medida em que ela descreve uma poética que responde às mesmas aporias políticas que os textos sentimentais. Como Antígona, segundo Hegel, a sentimentalidade também oferece uma resolução trágica para o problema da liberdade na esteira da Revolução Francesa.
Como mostram claramente esses inúmeros deslocamentos, a restituição da coerência - nem que seja apenas de uma única estética esquecida - é um trabalho de longo fôlego. Eu volto aqui ao problema já mencionado, que consiste em que devemos abrir um caminho através da massa considerável de livros que se apresentam logo que nos aventuramos na literatura "fora de uso". Pelo trabalho que requer cada livro para que se torne legível, a arqueologia literária deve abandonar qualquer ambição de uma reconstrução completa do passado. A delimitação do campo de pesquisa é tão importante quanto a reconstituição da matéria esquecida; na verdade, sem uma tal delimitação, não haveria reconstituição possível.
Assim, é imperativo reduzir as questões relativas aos arquivos a um mínimo vital. A maneira de operar vai depender, claro, da história que se conta. Como não disponho de nenhuma regra para limitar o campo de pesquisa, contentar-me-ei em descrever como abordei o meu campo, sobretudo na medida em que essa descrição vai me permitir levantar questões que estão à margem do meu projeto e que tive que colocar entre parênteses para que pudesse propor uma leitura pertinente, nem que fosse a partir de um pequeno segmento do imenso material não lido. Quando comecei esse estudo, eu concentrava todas as minhas leituras em duas questões que haviam me levado aos arquivos: havia alternativas ao realismo quando este apareceu, e havia códigos romanescos que propunham uma leitura pertinente da Revolução antes do realismo? Em seguida, limitei a primeira questão a uma exumação do primeiro confronto do realismo e seus rivais durante a Monarquia de Julho, a partir do momento em que vi que o romance sentimental social estava apto para esclarecer o problema, até então inteiro, da ausência das mulheres na grande vertente realista do século XIX.
Contudo, limitando o campo de minha pesquisa, não passei em revista todas as transformações do romance que consideramos, hoje, como aquilo que constituiu a emergência do realismo na França. Para fazer justiça a essa mudança do paradigma literário histórico, seria importante situar novamente o realismo numa mistura de gêneros que englobavam, não apenas a posição sentimental, que era a forma romanesca do início do século XIX mais reconhecida, mas também o "romance gay" e a versão francesa do romance gótico, o "roman noir", duas posições do começo do século XIX dotadas de grande apelo popular. O sistema de subgêneros começou a transformar-se a partir da descoberta de Walter Scott, por volta de 1820. Seus romances, inicialmente com muito sucesso popular, foram em seguida saudados pelo entusiasmo da crítica; e a recepção favorável dos Fiancés, de Manzoni fez crescer o prestígio do romance histórico. A importância do romance histórico estrangeiro suscitou, por seu turno, ao final dos anos 1820, a breve existência de um romance histórico francês influenciado por Manzoni e Scott, assim como por Fenimore Cooper, considerado como o imitador americano de Scott, e isso conjuntamente com duas outras posições do começo do século XIX, que coexistiam já com a sentimentalidade: o roman noir e o "romance gay" . Esse romance histórico local inaugurou a contestação pelos escritores franceses da dominação da forma sentimental. O fato de que Balzac tenha recorrido aos códigos históricos quando se propôs a deixar sua marca no gênero romanesco com Os Chouans (1829) é um bom índice das lutas que descrevo aqui.
Após 1830, o realismo e o romance social sentimental suplantaram rapidamente o romance histórico como as formas mais convincentes de renovação do gênero, embora a poética realista tenha absorvido códigos-chave da poética histórica, como revelaram os críticos a partir de Lukács . O romance histórico fez igualmente uma breve aparição no debate relativo às diferentes maneiras de afirmar a nova autoridade pública do romance na esteira da Monarquia de Julho, mas seu prestígio começou a declinar a partir do apogeu que foi Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo, em 1831 .
Uma vez o romance histórico relegado ao estatuto de subalterno, o realismo e o romance social sentimental reinaram absolutos como práticas romanescas das mais apreciadas durante o resto da Monarquia de Julho. Um balanço completo desse reinado deveria examinar a concorrência contemporânea das duas práticas, particularmente a posição da arte pela arte, ilustrada no Prefácio a Mademoiselle Maupin, de Teophile Gautier. Além disso, o balanço deveria descrever de que modo esse reinado se complicou, quando o sistema dos subgêneros começou a se transformar de novo nos anos 1840. Desta vez, a impulsão desestabilizante veio de estágios inferiores. Ela tomou a forma de um subgênero imensamente popular, chamado imprecisamente de romance-folhetim (romances de vários tipos eram publicados na forma de folhetim, e não necessariamente apenas os romances-folhetim), ilustrado pelos Mistérios de Paris, de Eugène Sue, e pelos romances de Alexandre Dumas.
Nenhum exame das dificuldades de um estudo sobre a literatura "fora de uso" ficaria completo sem fazer menção a uma questão que eu ouvia com frequência enquanto estava escrevendo esse livro: não é aborrecido ler romances sentimentais?, perguntavam-me, quer fossem pessoas que viam com benevolência ou as que viam o meu projeto com hostilidade. Em outros termos, "você não preferiria mesmo ler Balzac?" – como se ficasse subentendido que esses textos eram todos desinteressantes por princípio, mesmo que eu pudesse revesti-los de argumentos críticos. Essa questão subentende o problema maior que se coloca quando recorremos à literatura "fora de uso", quer dizer, o cepticismo constante com relação ao seu valor literário. A atenção à literatura esquecida é, muitas vezes, considerada como um gosto maníaco por velharias que mereceriam ser esquecidas. Uma outra versão desse cepticismo é a acusação de que os críticos que trabalham com a literatura não canônica deixam na sombra a dimensão literária dos textos literários, reduzindo a literatura à história.
Porém, nada contribuiu mais para minar minha convicção que o valor literário é um atributo evidente de um texto do que o processo que visa a dominar uma estética desaparecida. Quando comecei a ler a literatura "fora de uso", ela me deixou perplexa. Após ter reconstituído a problemática que estruturava as obras esquecidas, comecei a apreciar a diversidade e a elegância de suas soluções. De algum modo, encontradas minhas marcas estéticas, a literatura "fora de uso" não era mais para mim a indistinta noite do relativismo estético, no qual todos os textos são pardos. Para a literatura que não existe mais (como, aliás, para a literatura que ainda se produz), uma boa obra, uma obra que merece ser estudada por seus motivos literários, deve fornecer uma resposta poderosa às problemáticas contemporâneas, seja porque o texto se estrutura em uma posição afinando seu código com a maior clareza possível (a concepção aristotélica da excelência literária), seja porque ele rompe com as práticas dominantes de modo significativo e criativo (os textos modernos favoritos).
A avaliação literária constitui, como sugere Barbara Herrenstein-Smith, "um dos problemas mais antigos, mais essenciais, mais significativos do ponto de vista teórico e incontornáveis do ponto de vista pragmáticos, que existem para a literatura", embora as lutas em torno do cânone tenham mergulhado os modos tradicionais de apreciar a excelência literária em uma irremediável confusão . Nesses últimos anos, a dificuldade em alimentar o debate sobre o valor literário levou alguns críticos, inicialmente favoráveis ao desmantelamento do cânone, a desviarem-se da literatura não canônica em nome do prazer literário, quer dizer em nome das obras canônicas legíveis atualmente. Quando se trabalha com a literatura "fora de uso", aparece claramente, no entanto, que os obstáculos atuais para a avaliação literária não são por causa da obra não canônica, mas sim por conta da insuficiência do conhecimento que temos sobre ela. Muitas vezes, os textos não canônicos são fragmentos de soluções perdidas ou respostas a questões que não se colocam mais. Se pudermos despertar novamente as lutas entre estéticas antagônicas que um desfile tradicional de tesouros culturais acabou elegendo para preservar, nós teríamos um modo profundamente histórico de renovar o projeto da avaliação literária.
Tradução de Maria Cristina Batalha
Doutora em literatura Comparada (UFF)
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras (UERJ)
Linha de Pesquisa Literatura Portuguesa e Outras Literaturas
Recebido em 13/02/2011
Aprovado em 30/04/2011
Notas
1 - Este texto é a tradução, feita por Maria Cristina Batalha, da Introdução do livro The Sentimental Education of the Novel, publicado pela Princeton University Press, em 1999. Agradecemos à editora Princeton University Press pela cessão dos direitos de tradução para o português. O livro pode ser encontrado no endereço seguinte: http://press.princeton.edu.
2 - Charles-Marie de Féletz. Eugène de Rothelin. In Mélanges de philosophie, d´histoire et de littérature. Paris : Grimbert, 1828, vol. VI, p. 138. A citação pertence ao Traité de l´origine des romans, de Pierre-Daniel Huet (1669).
3 - Para uma análise mais aprofundada da mudança do estatuto do romance na França por volta de 1830, ver Erich Köhler, "Gattungsystem und Gesellschaftsystem", in Romanistiche Zeitschift für Literaturgeschischte, n. 1, 1997; Karlheinrich Biermann, Literarische-politische Avant-garde in Frankreich, Stuttgart, W. Kohlhammer, 1982 ; Margaret Iknayan, The idea of the Novel in France: The Critical Reaction 1815-1849, Genebra: Droz, 1961.
4 - Jules Michelet. Le peuple. Paris: Flammarion, 1992 [1846].
5 - Heinrich Mann. Flaubert und George Sand. Leipzig: Insel, 1971, p. 5.
6 - Lousteau e Lucien de Rubempré são os protagonistas do romance de Balzac, As ilusões perdidas. N.T.
7 - Honoré de Balzac. Illusions perdues (1843), Introdução de Antoine Adam. Paris : Garnier frères, 1961, p. 270.
8 - Blindness and Insight, de Paul de Man (sobretudo o artigo "Literary history and literary modernity"); L´arquéologie du savoir e "Qu´est-ce qu´un auteur ? », de Michel Foucault são textos pós-estruturalistas fundadores que integram, em seus ataques ao humanismo, uma contestação da história literária.
9 - Para a contestação que a história literária enfrenta na crítica pós-estruturalista, cf. os artigos reunidos em The Uses of Literary History, organizado por Marshall Brown (Durham, N.C., Duke UniversityPress, 1995).
10 - Frederic Jameson. The Political Unconscious. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1981.
11 - Walter Benjamin. Theses on the Philosophy of History. In Illuminations. Trad. De Harry Zohn. New York: Schocken books, 1969, p. 261.
12 - Apenas alguns poucos especialistas se lembram de alguma outra coisa nesse gênero literário durante esses magros anos, à parte algumas obras excepcionais de Chateaubriand, B. Constant e Madame de Staël, bem como de alguns romances históricos do final dos anos 1820. Tomo aqui emprestada a expressão "magros anos" à obra de Margaret Iknayan, The idea of the Novel in France.
13 - Franco Moretti. The Way od the World. Londres: Verso, 1987, p. 21.
14 - Estimo que As regras da arte, de Bourdieu, é uma obra particularmente útil porque seu modelo teórico é uma descrição histórica do momento literário considerado aqui. A questão que permanece em aberto é saber em que medida o modelo de Bourdieu se aplica à instituição literária, tal com está configurada, a outros lugares e a outros tempos. Haveria, por exemplo, a mesma competição agressiva entre os escritores em um campo literário no qual os círculos literários e as editoras não estivessem tão centralizadas como ocorria na Paris do século XIX?
15 - Jean-Marie Schaeffer propõe uma crítica detalhada da teoria tradicional do gênero em Qu´est-ce qu´un genre littéraire? Paris: Seuil, "Poétique", 1989.
16 - Jameson, op. cit., p. 106.
17 - Bourdieu. Les règles de l´art. Paris : Seuil, 1992, p. 327. Bourdieu escreve : "pelo fato de existir uma homologia entre o campo literário e o campo do poder ou o campo social em seu conjunto, a maioria das estratégias literárias são sobredeterminadas e muitas 'escolhas' são duplas jogadas , ao mesmo tempo estéticas e políticas, internas e externas" (Bourdieu, op. cit., p. 289). Bourdieu emprega o termo "escolha" à maneira estruturalista para descrever a seleção por um membro da comunidade de uma possibilidade entre um conjunto de possibilidades.
18 - Quando Jonathan Arac concebe seu projeto de história literária na esteira do pós-estruturalismo, ele sugere tomar como "unidade fundamental de inteligibilidade, não o autor, mas o sistema genérico". Ver Arac. "What is the History of Literature?". In Marshall Brown (ed.). The uses od Literary History, op. cit., p. 26. Contudo, o gênero só é pertinente na medida em que orienta as práticas dos escritores em seu próprio presente, como é o caso das épocas literárias históricas que descrevo aqui. Num campo onde o gênero é uma instituição importante, ele pode orientar práticas que não se definem em termos de gênero. Assim, nenhuma posição manifesta com tanta evidência a importância do gênero nas primeiras décadas do século XIX quanto o romantismo, pois se o gênero não fosse tão potente, os românticos não julgariam tão capital levar uma campanha de tamanha envergadura.
19 - Quando Bourdieu aborda a questão da intencionalidade, ele declara que: "Basta ler os testemunhos literários, as correspondências, os diários íntimos e, sobretudo talvez, as tomadas de posição explícitas sobre o mundo literário enquanto tal [...] para convencer-se que [...] a lucidez, sempre parcial, é, uma vez mais, assunto de posição e de trajetória no campo, e que ela varia, portanto, conforme os agentes e os momentos". (Bourdieu, op. cit., p. 378)
20 - Jameson, op. cit., p. 118.
21 - Ver Moretti. The way of the World. Londres: Verso, 1987.
22 - Nancy Armstrong. Desire and Domestic Fiction: A Political History of the Novel. Oxford: Oxford University Press, 1987.
23 - Como observa Bourdieu, "as estratégias dos agentes e das instituições que estão engajadas nas lutas literárias ou artísticas não se definem na confrontação pura com possíveis puros; elas dependem da posição que esses agentes ocupam na estrutura do campo" (Bourdieu, op. cit., p. 290). Como veremos adiante, a diferença sexual (o gênero) intervém na definição da atitude de uma mulher escritora diante das instituições formais e informais do campo literário.
24 - Nesse romance de 1844, Balzac é retratado como o desagradável personagem de Ulrich.
25 - A expressão correspondente "hors d´usage" está em francês, no original inglês. N.T.
26 - O Balzac romancista (Le Balzac romancier), de Maurice Bardèche (Paris: Plon, 1940) ilustra a maneira como os críticos denegriram a sentimentalidade pela sua falta de realismo, embora ele tenha realizado o inestimável trabalho de manter viva a lembrança do subgênero.
27 - Pierre Bourdieu, op. cit., p. 328.
28 - As histórias literárias tradicionais podem ser úteis nesse ponto do processo, pois elas mencionam, muitas vezes, obras esquecidas que descrevem globalmente sobre uma base temática. Os balanços da produção literária da época podem também fornecer um guia para se construir as posições esquecidas. Reconstruindo os contornos da sentimentalidade do século XIX, por exemplo, foram muito úteis os catálogos de livreiros da Restauração, pois eles repartiam as obras entre si em função de categorias genéricas, mesmo que os critérios não fossem absolutamente científicos.
29 - Em inglês "reading for patterns".
30 - Sharon Marcus. "Disciplining Cultural Studies". Intervenção no Colóquio "Nineteenth-Century French Studies". Santa Barbara, outubro de 1994.
31 - O papel do romance histórico nas lutas do século XIX a respeito do romance complicou-se porque o conceito antecedeu Scott, na França. Os romances sentimentais ou góticos com uma intriga histórica foram, algumas vezes, assimilados a romances históricos por livreiros e críticos do Império e do começo da Restauração, e os escritores continuaram a escrever romances sentimentais com intriga histórica durante toda a existência do romance histórico.
32 - Ver Georg Lukács. Le roman historique (O romance histórico).
33 - A propósito do declínio de prestígio do romance histórico no resto dos anos 1830, ver Ikanayan, op. cit. Um dos motivos do declínio do romance histórico a partir desse momento deve-se, penso eu, ao fato de que ele aborda de forma indireta os conflitos sociais. Quando a censura relaxa, as questões políticas podem ser melhor abordadas na ficção. (Os grifos são da autora)
34 - Barbara Herrenstein-Smith. Contingencies of Value. Cambridge, Massassuchets: Harvard University Press, 1988.
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