O Marrare número 14
Confira em O Marrare - Entrevista com Salgado Maranhão: "Poeta é aquele que não sabe ser de outro jeito."

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O SUPER-HOMEM CALCIFICADO NO ÉDEN Da PRAÇA: caminhos da TRADIÇÃO EM NIETZSCHE

Patrícia Maria dos Santos Santana
santannapatricia@hotmail.com

O super-homem calcificado no Éden da praça: caminhos da tradição em Nietzsche O objetivo do presente trabalho é mostrar como a escritora Paulina Chiziane traça uma análise do comportamento do povo moçambicano através de seu livro Niketche: uma história de poligamia, enfatizando o tratamento dado às mulheres dentro das tradições culturais do mencionado povo. Palavras-chave: Literatura. Gênero. Tradição. África. Paulina Chiziane.

The calcified superman in the Eden of : ways of tradition in Nietzsche This paper aims at discussing how the writer Paulina Chiziane makes an analysis about the Mozambican folk behavior through her book Niketche: a history of polygamy, emphasizing the treatment given to women according to the cultural traditions of the mentioned folk. Key words: Literature. Genre. Tradition. Africa. Paulina Chiziane.

"Escrever a história é um modo de nos livrarmos do passado."

Johann Goethe em Máximas e Reflexões

"Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto?
E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto."

Clarice Lispector em A Paixão Segundo GH

Paulina Chiziane é uma escritora moçambicana, nascida em Gaza, no dia 4 de Junho 1955, e que cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo. A Língua Portuguesa não foi a sua língua materna. A família protestante falava os dialetos Chope e Ronga, e Chiziane só veio aprender a Língua Portuguesa na escola da missão católica, muitos anos depois. Estudou Linguística na Universidade Eduardo Mondlane, mas não terminou o curso. Militou ativamente durante a sua juventude na Frelimo, candidatando-se e vencendo as primeiras eleições multipartidárias de Moçambique em 1994. Deixou a política desiludida, pois não concordava com o limite dado à liberdade econômica da mulher. Apesar de já estar escrevendo na época partidária, dedica-se muito mais aos seus livros ao largar o partido e parece encontrar forças para combater, através deles, tudo o que já vinha combatendo durante a sua vida política. Paulina Chiziane foi a primeira mulher de Moçambique a publicar um romance e hoje é uma das mulheres romancistas mais importante de toda a África. Atualmente, a autora vive na Zambézia. Em diversas entrevistas, não se autodenomina uma escritora e sim, uma "contadora de histórias", procurando dar continuidade às técnicas pertencentes à literatura oral. Chiziane vem conseguindo transmitir por meio de suas personagens as vivências das mulheres na sociedade pós-colonial moçambicana e evidenciar questões relacionadas à construção do pensamento sobre gênero em Moçambique. Há uma preocupação em medir-se o índice de masculinidade na população como reflexo de um grande medo de que a sociedade seja afetada em seu seio com o crescimento de um número ainda mais significativo de mulheres (nascem em média cerca de 100 mulheres para 91 homens). Algo bastante natural vindo de uma civilização na qual o nascimento delas não é nada celebrado.

Niketche: uma história de poligamia é um livro sem comparação. Ao mesmo tempo que prende, ele traz uma sensação de denúncia e de piedade ao leitor. Sofremos com as palavras de Rami falando sobre o "seu" Tony, quando víamos claramente que ele não era apenas dela, mas de todas as outras mulheres que ele possuía. Chiziane traça todo um cenário bastante complexo para apresentar-nos a situação de muitas mulheres moçambicanas que suportam caladas a dor de um amor acabado pelo tempo e pelas tradições. Todavia, há uma mistura de sentimentos e pensamentos nas linhas do texto que nos permitem acompanhar o que é o grande trunfo de Chiziane na trama: o crescimento interior de Rami. Por trás dos panos e das cores já desbotadas da vida da personagem principal, observamos a construção de uma nova forma de vida e de uma nova maneira de pensar. Essa construção interna da personagem principal é a sinalização de Chiziane de que nem tudo está perdido para a mulher de sua terra natal. Nem sempre as tradições devem ser encaradas exatamente como a sociedade espera que elas sejam vistas. Chiziane rejeita os protocolos à sua maneira, inverte o jogo e faz das próprias tradições uma questão de escolha de vida. Com isso, a mulher decidirá entre a sua eterna condenação espiritual ou a sua própria salvação interior nessa vida em sociedade. Destacaremos, pois, através do presente trabalho, a importância de Paulina Chiziane para um estudo mais apurado da mulher na Moçambique pós-colonial.

Representações da tradição: ACEITAÇÃO versus contestação

O livro Niketche: uma história de poligamia foi escrito em 2002. Encontramos nele a história de Rami que se descobre casada com um polígamo, em plena sociedade urbana, com mais quatro esposas ilegítimas. Ela acreditava, então, ter um marido só dela com base na tradição cristã do casamento monogâmico. Em Niketche é apresentada a contradição de uma tradição quando levada a favor de só uma pessoa, no caso Tony. O lado histórico da sociedade poligâmica, que ficou como herança para Moçambique por causa da presença islâmica na África, é mostrado por Tony como um direito do sexo masculino. Todavia, ele só discorre sobre seus direitos, mas não considera que, dentro dessa mesma sociedade poligâmica, tudo é feito de acordo com regras preestabelecidas. Em uma dessas regras, inclusive, cabe à primeira mulher escolher as próximas esposas do homem da família. Ao descobrir a realidade sobre o marido Tony, ou seja, a sua poligamia não-oficial, a narradora-personagem questiona o papel da mulher na sociedade moçambicana, assim como toda a hipocrisia da sociedade que a rodeia. Nesse processo de questionamento, ela expõe os problemas da tradição e a contradição daquela sociedade. A literatura assume esse papel de denúncia a que não nos satisfaz. É uma forma de reagirmos à insatisfação. A literatura permite nos fazer que outras pessoas percebam fatos que já notamos, mas que talvez não lhes estejam muito claros:

O que torna o real de nosso momento histórico mais agudamente insatisfatório é a maior complexidade de dados de que dispomos, aumentando a nossa capacidade de conhecer e, paradoxalmente, impedindo-nos de chegar a uma visão de conjunto. O que há, e já houve em doses mais confortadoras para o homem, são modos de reagir à insatisfação que o mundo nos causa (...).

(...)
Na sua gênese e na sua realização, a literatura aponta sempre para o que falta, no mundo e em nós. Ela empreende dizer as coisas como são, faltantes, ou como deveriam ser, completas. Trágica ou epifânica, negativa ou positiva, ela está sempre dizendo que o real não satisfaz (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 103-104).



Paulina Chiziane, ao representar cada uma das esposas de Tony como oriundas de uma parte de Moçambique e de etnias diferentes, demonstra que os problemas das mulheres em seu país ocorrem independentes da origem delas, pois, surgem de uma tradição patriarcal dominante, corroborada pela cultura e pelas instituições colonizadoras. Rami vai fazendo com que Ju, Lu, Saly e Mauá, as outras esposas, deixem de ser rivais para se tornarem amigas na luta pela sobrevivência e pela garantia de seus direitos. Além disso, durante a aproximação das esposas, elas vão aprendendo sobre suas diversidades culturais e refletindo quanto à situação à qual estão submetidas por Tony e pela sociedade patriarcal. Rami sairá do desamparo, descobrindo, ao longo do livro, qualidades como amizade e fraternidade em relação às suas rivais. A obra é um bom exemplo da capacidade que temos para amar os outros e nós mesmos até nas adversidades. A obra de Chiziane é uma espécie de voz dada aos excluídos, no caso, às excluídas da história de sua terra. O estudioso Alfredo Bosi aponta que a maneira mais significante de analisarmos a relação entre o excluído e a escrita consiste num processo específico:

Em vez de tomar a figura do homem sem letras como objeto, procura-se entender o pólo oposto: o excluído enquanto sujeito do processo simbólico. (...) pensar o excluído como agente virtual da escrita, quer literária, quer não literária. Como o excluído entra no circuito de uma cultura cuja forma privilegiada é a letra de forma? Rastreando os passos desse itinerário (isto é, de um desses itinerários), consigo ver melhor a zona de intersecção que se estende entre a situação de classe e a escrita. Nesse horizonte, atos de ler e de escrever podem converter-se em exercícios de educação para a cidadania. (BOSI, 2008, p. 259 - 261)

Levando em consideração as recomendações de Bosi, entendemos a escrita de Chiziane como um verdadeiro artifício de uma excluída ao exercício de sua cidadania, abrindo caminho, concomitantemente, para a cidadania de suas conterrâneas. Muitas feministas acreditam que a discriminação contra mulheres existe mais fortemente em países subdesenvolvidos do que em países desenvolvidos. O quanto de discriminação e a dimensão do problema são questões abertas. Lembrando o conceito definido por Deifelt (2004, p.28) que diz que a arte não é somente uma representação da vida do artista, mas uma codificação simbólica de sua própria existência, poderíamos, inclusive, afirmar que as mulheres do livro possuem muito de Chiziane, como também Paulina Chiziane possui muito das mulheres inventadas nas linhas de Niketche. A memória de um povo é a peça chave para expor a realidade presente de determinado povo:

A verdade é que a memória não consiste, em absoluto, numa regressão do presente ao passado, mas pelo contrário, num progresso do passado ao presente. É no passado que nos colocamos de saída. Partimos de um "estado virtual", que conduzimos pouco a pouco. Através de uma série de planos de consciência diferentes, até o ponto em que ele se torna um estado presente e atuante, ou seja, enfim, até esse plano extremo de nossa consciência em que se desenha nosso corpo. (BERGSON, 1999, p. 279)

De acordo com Stuart Hall (2000, p.109), as identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma determinada correspondência. Essas identidades relacionam-se com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. A memória histórica constitui um fator de identificação humana, é a marca ou o sinal de sua cultura. Reconhecemos nessa memória o que nos distingue e o que nos aproxima. Identificamos a história e os seus acontecimentos mais marcantes, desde os conflitos às iniciativas comuns. E a identidade cultural define o que cada grupo é e o que nos diferencia uns dos outros. Jacques Le Goff, ao relacionar a memória ao conceito de identidade, define a primeira como um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia (LE GOFF, 1996, p. 476). Apenas mostrando a sua real condição é que a mulher moçambicana poderá revelar a sua indignação e revolta. Através do contraste fundamental do livro relacionando passado e presente é que Chiziane embasa a sua obra. A memória coletiva das mulheres de seu povo servirá como suporte para dar veracidade aos fatos da realidade de Moçambique e entrará, pois, em contraste com a verdade da classe dominante de seu povo, ou seja, com a história local.

A explicação tradicional, na qual a memória reflete o que aconteceu na verdade e a história espelha a memória, não se sustenta na contemporaneidade. A história e a memória passaram a se revelar cada vez mais complexas. Lembrar o passado e escrever sobre ele não se apresentam mais como as atividades inocentes que julgávamos até bem pouco tempo atrás. Tanto as histórias quanto as memórias não mais parecem ser objetivas. Num caso como no outro, os historiadores aprenderam a considerar fenômenos com a seleção consciente ou inconsciente, a interpretação e a distorção. Segundo Peter Burke (2000, p. 69-70), nos dois casos, passam a ver o processo de seleção, interpretação e distorção como condicionado, ou pelo menos influenciado, por grupos sociais. Não é obra de indivíduos isolados. O vínculo entre história e memória pode servir como fonte de libertação e não de repetição da opressão já vivenciada por alguns indivíduos ou por alguns grupos. Compreender a história também é ver a mesma pela ótica dos vencidos, pela ótica daqueles que não tiveram a oportunidade de escrevê-la oficialmente. Compreender a história é dar voz aos que não tiveram voz diante da história de um local, ouvindo os diversos preenchimentos, as diversas vozes das centenas de lacunas dessa mesma história. A memória coletiva é fonte de libertação.

É preciso reconhecer o complexo sistema social e cultural que determina a formação do indivíduo e que estabelece seus padrões de comportamento e dos sentidos. Estudos da antropologia social, por exemplo, apresentam importantes reflexões acerca destas normalizações sociais:

A Cultura dita normas em relação ao corpo; normas a que o indivíduo tenderá, à custa de castigos e recompensas, a se conformar, até o ponto de estes padrões de comportamentos se lhe apresentarem como tão naturais quanto o desenvolvimento dos seres vivos. (...) Ao corpo se aplica, portanto, crenças e sentimentos que estão na base da nossa vida social e que, ao mesmo tempo, não estão subordinados diretamente ao corpo (RODRIGUES, 1975 , p. 45-46).

Rami passa por momentos que revelam essa representação do corpo perante o costume social, pagando por algo que lhe é imposto através da tradição dos homens. A tradição dita regras para atingir o lado metafísico de purificação através do físico do corpo (os cortes no corpo da viúva para receber ervas, o seu cabelo raspado e até mesmo o ato de kutchinga).

O crescimento interior da personagem principal de Niketche: uma história de poligamia, Rami, foi a mola mestra que Paulina Chiziane teve para o livro. Ela mostra possibilidades ao longo da trama que servem para indicar posturas sociais que podem ser adotadas caso surjam insatisfações e necessidades de se obter mudanças. Chiziane mexe com a estrutura intocável da tradição cristalizada, mas não o faz de forma direta. A reconstrução de Rami também não é direta. É uma reconstrução oscilante, flutuante, como uma dança e, com isso, não é à toa que a palavra dança está muito presente em diversos momentos da obra e no próprio título. Niketche é (...) dança do amor, é a dança do sol e da lua, dança do vento e da chuva, dança da criação. Uma dança que mexe, que aquece. Que imobiliza o corpo e faz a alma voar (CHIZIANE, 2002, p. 160). E, por amor, Rami se reconstrói. Digamos que Rami toma, inconscientemente, as decisões certas. Por vez, Chiziane manipula, conscientemente, o seu aprendizado de Rami.

Dentro do paradigma da "tradição" e da "ruptura" se mostra o jogo do enredo do romance Niketche. O poder da tradição é destituído quando se mostra que em tudo teremos sempre dois pontos de vista, duas formas distintas de percepção do real. A "tradição" e a "ruptura" são dois dos conceitos privilegiados pelos quais pensamos a História na contemporaneidade, porque estes são justamente os pólos que balizam e caracterizam a própria Modernidade. Chiziane escolhe mostrar a tradição para depois desconstrui-la com os seus pontos negativos. Ao ponto que Rami vai crescendo interiormente diante de todas as mazelas criadas pela tradição social na qual está inserida, ela se encontra livre para decidir entre a sua eterna condenação espiritual ou a sua própria salvação interior nessa vida em sociedade. O enredo do livro mostra-nos mulheres moçambicanas acostumadas e acomodadas com situações de falta dos companheiros ao lado, de poligamia, kutchinga, lobolo...; aponta-nos condições inferiorizadas da mulher em termos sociais, econômicos e também políticos gerados pela tradição patriarcal do país; reflete-nos a questão religiosa como fator importantíssimo e determinante na vida dos moçambicanos.

Apesar das mulheres ocuparem lugar de destaque por serem vistas como símbolo de fertilidade no Norte de Moçambique, no Sul, todavia, elas vivem uma triste contradição social: o regime patriarcal predominante na região estabelece uma posição inferiorizada da mulher. A mulher do Sul muitas vezes precisa sobreviver encostada em um casamento submisso e humilhante. Existe uma forte identidade doméstica na mulher moçambicana em geral (do Norte ou do Sul) que implica no serviço da casa, no cuidado das crianças e do marido... A concepção de uma identidade feminina banalizada é o que a mulher africana de Moçambique possui. Por tais razões é que Chiziane privilegia as suas personagens femininas, sempre fortes e marcantes que entram em contraste com uma grande parte das mulheres de Moçambique que levam uma vida sem sentido. As personagens femininas de Chiziane não abolem a tradição, mas procuram dentro dessa mesma cultura uma forma de rompimento onde não ponham a tradição em pedestal. Assim, suas personagens femininas encontram a força e a possibilidade de um futuro diferente, ou seja, melhor. Sua escrita feminina trás à tona outra realidade, pois possui um olhar modificado. É como se o sentimento individual se posicionasse para além do sentimento nacional, encontrando, assim, a supremacia de sua condição de mulher e de sua condição de ser humano.

Quando tudo no livro parece acomodado dentro da realidade da cultura que se apresenta para nós, acontece a reviravolta. A poligamia, tema central da obra de Chiziane, acaba sendo retomada em prol do gênero feminino. Ocorre uma espécie de recriação por parte da autora dessa cultuada poligamia local. E o jogo de reconstrução desse ideal, dentro da ótica feminina e feminista de Chiziane, será analisado nos próximos capítulos. É a aceitação passando à contestação. É a condenação predestinada levando à salvação interior. O poder feminino no livro será catalisador.

RAMI - DE ESPOSA DOMINADA À FEITICEIRA INDECIFRÁVEL

Sem dúvida alguma, o primeiro capítulo do livro Niketche: uma história de poligamia é um dos capítulos mais importantes da obra, porque visa traçar todo o perfil psicológico e físico de Rami. A protagonista é apresentada como uma mulher submissa, economicamente dependente do marido e com baixa autoestima. Questiona-se para saber o que "ela" fez de errado por manter o marido afastado dela e da família. Puxa para si mesma a culpa por um erro que não é seu, refletindo, assim, a condição social da mulher de sua terra:

(...) Como é que o meu Tony me despreza assim, se não tenho nada de errado em mim? Obedecer, sempre obedeci. As suas vontades sempre fiz. Dele sempre cuidei. Até as suas loucuras suportei. (...) Fiz dele o homem que é. Dei-lhe amor, dei-lhe filhos com que ele se firmou nesta vida. Sacrifiquei os meus sonhos pelos sonhos, pelos sonhos dele. Dei-lhe a minha juventude, a minha vida (...) (CHIZIANE, 2004, p. 14).

Mais adiante, ela continua em seu lamento e diz que sua dor sempre existiu, mas era menor, aumentando, portanto, com a mudança de posto do marido no emprego. A velha história de que o dinheiro não traz a felicidade é apenas um subterfúgio para Rami declarar ter suportado os affairs do marido também na época em que o dinheiro era pouco. A declaração da personagem serve para mostrar o perfil infiel de Tony durante todo o tempo de casamento deles:

(...) sou a mulher mais infeliz do mundo. Desde que ele subiu de posto para comandante da polícia e o dinheiro começou a encher as algibeiras, a infelicidade entrou nesta casa. Os seus antigos namoricos eram como chuva miúda caindo sobre os guarda-chuvas, não me atingiam. Agora danço a solo num palco deserto. Estou a perdê-lo. Ele passa a vida a fazer companhia às mulheres mais lindas da cidade de Maputo, que lhe chovem aos pés como diamantes. (idem ibidem, p. 14-15)

O espelho, que é quase um personagem essencial da trama, aparece-nos pela primeira vez já no capítulo inicial da obra de Chiziane. Ao declarar-se infeliz, Rami volta-se a ele freneticamente como se fosse um oráculo milagroso capaz de predizer e resolver a sua vida. E, de certa forma, ele o faz. Rami fala: Vou ao espelho tentar descobrir o que há de errado em mim. (id .ibid., p. 15). O espelho ajuda Rami a se conhecer e a olhar para si mesma e para a vida de outra forma, agindo como uma espécie de alterego da personagem, sua consciência em atuação plena. O espelho é a sua força e será a peça fundamental para a transformação interior de Rami ao longo do livro. Não é sem motivo que, diversas vezes, ela se refere ao seu reflexo no espelho como gêmea, intrusa. Desde o começo da obra, o espelho vai mostrando indícios das possíveis mudanças em Rami:

(...) Os olhos que se reflectem brilham como diamantes. É o rosto de uma mulher feliz. Os lábios que se reflectem traduzem uma mensagem de felicidade, não, não podem ser os meus, eu não sorrio, eu choro. Meu Deus, o meu espelho foi invadido por uma intrusa, que se ri da minha desgraça. Será que essa intrusa está dentro de mim? (CHIZIANE, 2004, p.15)

Esse espelho é contestador e indica erros: Pensa bem, amiga minha: serão as outras mulheres as culpadas desta situação? Serão os homens inocentes? (id. ibid., p. 33). O espelho de Rami retira a trava de seus olhos ao apontar toda a cegueira que ela apresenta em relação ao marido. Age como o condutor da epifania que se revelará em Rami ao lhe dizer que ninguém rouba uma pessoa de outra. A outra Rami dentro do espelho é muito mais perspicaz e interessante do que a Rami que vive sua vidinha medíocre do lado de fora. Rami reconhece naquela Rami do espelho a força que ela já teve um dia e acabou perdendo. Uma Rami que ela foi no passado e que queria voltar a ser no presente. Na página seguinte, o espelho de Rami mostra ao que veio: Celebro o amor e a vida. Danço sobre a tristeza e a solidão. Piso para o fundo da terra todos os males que me torturam. (id. ibid., p. 16). O espelho mostra as possibilidades que se refletem como possíveis salvações para Rami. Rami pede socorro ao espelho, a imagem do espelho tenta agarrar a mão de Rami, mas existe ainda uma barreira muito forte entre elas. Essa barreira é uma barreira que a própria Rami precisa quebrar. Ao reconhecer o bem que o espelho lhe trouxe, Rami declara: Ah, meu espelho estranho. Espelho revelador. Vivemos juntos desde que me casei. Por que só hoje me revelas o teu poder? (CHIZIANE, 2004, p.17). O espelho revelador e tardio se mostra à personagem e Rami se prontifica a abrir sua mente ao mundo que a cerca. O espelho também nos revela o caráter ilusório do duplo na representação do nosso próprio corpo. O espelho é o lugar do outro, porque sua função mais comum é a de permitir a pessoa se observar, de se ver como os outros a veem, ou ainda de imaginar-se como outro. Essa experiência do nosso reconhecimento já pressupõe um olhar crítico, de como nossa imagem é percebida por nós e pelos outros. Desta maneira, o espelho se permite diferente para cada pessoa que o observa, como compara Umberto Eco:

Se as imagens do espelho tivessem que ser comparadas às palavras, essas seriam iguais aos pronomes pessoais: como o pronome eu, que se eu mesmo pronuncio quer dizer "mim", e se uma outra pessoa o pronuncia quer dizer aquele outro. (ECO, 1989, p.21)

Muitos capítulos depois, Rami conclui: Esta imagem é a minha certeza, o meu subconsciente, resgatando ditados e saberes mais escondidos na memória (CHIZIANE, op.cit., p.172). O espelho despertará o autoconhecimento de Rami.

O processo de mudança interior de Rami vai se formando ao longo dos capítulos que se sucedem. No segundo capítulo do livro, meio ao fluxo de consciência da personagem, Rami reconhece a sua posição passiva diante da sua realidade: Sou uma mulher derrotada, tenho as asas quebradas. Derrotada? Não. Nunca combati. (id. ibid., p.18). Ironicamente, Paulina Chiziane coloca Rami no mencionado capítulo para combater a sua primeira rival no sentido literal da palavra, ou seja, no sentido físico da luta, e o mesmo ocorrerá no quinto capítulo, quando Rami se atraca com a segunda rival que encontra. Esses dois momentos são metáforas interessantes para mostrar que a luta da mulher naquela sociedade patriarcal deve ser feita de forma intelectual - e jamais física. Nas duas brigas protagonizadas por Rami, a personagem sai perdendo fisicamente por não ser tão jovem e magra como as outras companheiras de Tony. Na segunda briga, Rami vai para a prisão depois de apanhar bastante.

Questionando-se através dos quarenta e três capítulos do livro, Rami vai reformulando seus conceitos sobre a vida. Vai moldando seu interior através das palavras de outras mulheres. Através da Ju entende sobre o fato impossível de "ter um homem" ou qualquer outra coisa do mundo somente para si: Ter é uma das muitas ilusões da existência porque o ser humano nasce e morre de mãos vazias. Tudo o que julgamos ter, é-nos emprestado pela vida durante pouco tempo (CHIZIANE, 2004, p.25). Com Simone Beauvoir, em frase citada sem os devidos créditos no capítulo quatro, Rami entende que não basta nascer mulher, mas tornar-se uma. Por vez, com a conselheira amorosa aprende o essencial para conduzir o enredo da trama na qual estava inserida:

(...) Não procura ser grande, mas pequena. Muito pequena, quase microscópica, mas astuta e atenta para atacar para atacar os pontos vitais. Sê a bactéria que faz o homem se requebrar na dança da sarna. Sê o vírus que faz o grande homem estremecer ao ritmo da gripe. Sê tu mesma. Natural. Um adulto se rende de encanto perante o sorriso de uma criança (id. ibid., p. 41).

Apesar do conselho dado à Rami ter sido realmente pautado na invisibilidade feminina para não atrapalhar o reinado masculino na sociedade, Rami faz o contrário, aproveitando dessa invisibilidade impregnada em sua terra para reverter a sua condição de vida.

Rami também exalta as falas das mulheres sem nome que vendiam itens na feira para a própria sobrevivência:

Quando o movimento declina, as mulheres sentam-se em roda, comem a refeição do dia e falam de amor. Um amor transformado em ódio, em raiva, em desespero, em trauma. Fui violada sexualmente aos oito anos pelo meu padrasto, diz uma. O teu caso foi melhor que o meu. Fui violada aos dez anos pelo meu verdadeiro pai. Ganhei infecções e perdi o útero. Não tenho filhos, não posso ter (...) Eu levava muita pancada, diz outra. Ele trancava-me no quarto com os meus filhos e dormia com outras no quarto do lado (id. ibid., p.119).

Com os saberes populares dessas mulheres, Rami assimila que o significado da mulher naquela sociedade representa toda uma simbologia de dor. Aquelas mulheres mais experientes lhe ensinaram que aos homens nunca se deve prestar contas certas. Os homens foram feitos para controlar e as mulheres para trabalhar (CHIZIANE, 2004, p.120). Rami será o elo e o instrumento de reflexão dos sentimentos partilhados pelas mulheres do local e pelo ser feminino em geral, como o próprio espelho responde-lhe ao ser perguntado se no mundo havia uma mulher mais triste do que ela: – Há. Há milhões em todo o mundo (id. ibid., p. 247). A palavra e o seu uso darão à Rami a possibilidade da reflexão, revertendo o não lugar dessa mulher na sociedade: o de apenas ouvir. Aos poucos, veremos Rami agindo, porém em um trabalho de formiguinha, pequeno, microscópico, conforme sugerido pela conselheira amorosa.

Em nome do próprio amor que sentia por Tony, Rami decide unir-se às outras quatro mulheres. Faz com que Tony as lobole como manda a tradição poligâmica. Tira as suas rivais da poligamia clandestina na qual viviam. De mulher traída e abandonada, passa a ser rainha de uma sociedade poligâmica, passa a ser a grande líder das esposas de Tony. Na construção de sua trajetória não faltam etapas que evidenciam a visão feminina de Paulina Chiziane diante da realidade social moçambicana. Tal forma de olhar o universo feminino pontua os passos determinantes dentro da obra. Cada um deles representaria uma espécie de aprendizado. Rami começa a liderar, comandar e orientar as outras mulheres nos ritos, nos hábitos alimentares e na plena satisfação do marido. De inimigas e rivais, tornam-se unidas e irmãs. Rami reúne-as. Em seus passos de união realizam uma dança niketche coletiva: as cinco mulheres despem-se e carregam Tony para a cama, desafiando o poder masculino e fazendo do marido o objeto comandado pelo poder feminino:

Somos cinco contra um. Cinco fraquezas juntas se tornam força em demasia. Mulheres desamadas são mais mortíferas que as cobras pretas. (...) Era preciso mostrar ao Tony o que valem cinco mulheres juntas. Entramos no quarto e arrastamos o Tony, que resistia como um bode. Despimo-nos, em striptease. Ele olha para nós. Os seus joelhos ganham um tremor ligeiro (id. ibid., p. 143).

As personagens femininas do livro procuram se soltar do controle masculino e fazer a sua própria história. Se a vida é uma eterna partilha (id. ibid., p. 70), então, a poligamia é o que cabe nesta vida. Rami toma as rédeas do controle e no dia do aniversário de cinquenta anos de Tony, apresenta a todos os familiares e amigos as mulheres escondidas do aniversariante. Diante do desespero de Tony, Rami se mostra radical e avisa as outras mulheres sobre o caminho sem volta no qual seguiram:

Meninas! Convençam-se de uma vez. Esse passo dado não volta atrás. Destruímos o manto da invisibilidade, celebremos. Obrigamos o Tony a reconhecer publicamente o que fazia secretamente. Meninas, estão cheias de medo? Para quê esses receios? (CHIZIANE, 2004, p.110)

Ao longo da história, as mulheres de Tony recebem ajuda financeira e moral de Rami para abrirem os seus próprios negócios: Conseguimos ter um mínimo de segurança para comprar o pão, o sal e o sabão sem suportar a humilhação de estender a mão e pedir esmola (id. ibid., p. 122). Ao prosperarem, o sucesso delas não deixa Tony satisfeito. As outras esposas vão crescendo financeiramente graças ao espírito de ajuda de Rami. Justamente Rami é a pessoa que ajuda as próprias rivais. Rami não sabe ainda, mas seu processo de mudança interior para expurgar o que lhe aflige está em plena atividade. Esse processo é essencial ao jogo das relações que se constroem.

Com a alegria da sogra de Rami ao saber que possuía muito mais netos do que aqueles que ela conhecia, a monogamia é, ironicamente, apontada como um erro social, deixando méritos à poligamia declarada e reconhecida. A narradora critica a monogamia ao denunciar que atrás de todo casamento monogâmico há uma relação poligâmica clandestina: Grita não à monogamia, esse sistema desumano que marginaliza uma parte das mulheres, privilegiando outras, que dá tecto, amor e pertença a umas crianças, rejeitando outras, que pululam pelas ruas (id. ibid., p. 123).

A falsa viuvez de Rami é a reviravolta de toda a trama. Quando Tony some em férias para Paris com uma nova namorada, Gaby, e o mesmo é dado como morto, Rami sofre na pele todas as imposições que a tradição manda em torno da primeira mulher. As leis são cumpridas com um preço bastante alto, custando o corpo e a alma de Rami: Arrastaram-me para um canto, raparam-me o cabelo à navalha e vestiram-me de preto. Acabava de perder poderes sobre o meu corpo e sobre a minha própria casa. Arrependo-me: por que não assinei aquele maldito divórcio? (id. ibid., p.199). No dia do velório, Rami é agredida verbalmente por suas cunhadas ao ser acusada de feitiçaria: As mulheres são feiticeiras. Comeste o nosso irmão, Rami. Vocês, mulheres rongas, são assim. Matam os maridos para ficarem a gozar a vida com os bens do falecido (id. ibid., p.199). Ao mesmo tempo em que o livro mostra que as mulheres devem ser mais unidas para vencer os preconceitos da tradição patriarcal, Chiziane coloca ironicamente nas bocas de outras mulheres daquela sociedade toda acusação contra a própria Rami. É como se Chiziane apontasse que é mesmo difícil desvencilhar-se do controle do homem, uma vez que a própria mulher acredita solidamente nas convenções machistas da sociedade em que vive. Sofrer com o corpo, sentir a feminilidade roubada e perder o controle sobre sua casa são os efeitos desta realização tradicional que atinge o seu ápice no rito de kutchinga, da purificação sexual, quando o cunhado mais velho inaugura a viúva na nova vida, oito dias depois do falecimento do marido. Kutchinga é cerimônia de posse masculina. Mesmo assim, a nova Rami que vem se mostrando na obra, carnavaliza o ritual e transforma a brutalidade da posse em prazer de ser possuída: No meio desta desgraça, há uma coisa boa. Com a falta de homens que dizem haver, é bom saber que a viuvez me reserva um outro alguém, mesmo que seja de vez em quando (CHIZIANE, 2004, p.213).

No começo, Rami entra fundo na aceitação da poligamia de Tony como uma proposta desesperada de não perder aquele que era o grande amor de sua vida: Quando não se pode ter um homem por completo, mais vale dividir que perder (id. ibid., p. 146). Conforme os acontecimentos se dão ao longo da obra, a nova Rami vai se moldando: ela aceita as carícias, os favores sexuais de Vito, amante da terceira esposa de Tony, com plausível naturalidade; ela diz não à proposta de divórcio estipulada por Tony; ela olha para Levy com olhares gulosos ainda no falso velório do marido, esperando ansiosa pelo momento da kutchinga e torcendo para Tony não aparecer em casa antes desse dia... Mas é o enterro de Tony que apresenta uma simbologia que define a história. Com o ato do enterro do estranho (que Rami sabe realmente estar no lugar de Tony), Rami enterra também o próprio Tony em sua vida ao mencionar: o Tony acaba de morrer agora no corpo desse estranho. Já não quero mais vê-lo. Tudo morreu para mim. Ele destruiu tudo o que nele via e admirava. Não reconheceu as fronteiras da liberdade (id. ibid., p. 220). Para Rami, Tony era tão estranho quanto aquele homem no caixão e, simbolicamente, Rami o enterra. Por ironia, Tony que se julgava muito malandro, não percebeu que foi manipulado pela situação e por suas mulheres. Aos poucos, Rami já é outra. Suas rivais também mudaram. Chiziane dá sinais de tais mudanças fatais através do fluxo da consciência de Rami:

(...) Mudar o mundo. O mundo está em permanente mudança. Muda em silêncio. Só o Tony é que não deu pela mudança. Está na dança de homem onde tudo é permitido. (...) Não reparou ainda na minha vingança silenciosa, nem vê as leoas que o devoram deliciosamente. Ah, meu Tony. Pelas mulheres vives, pelas mulheres, morrerás. (id. ibid., p.264)

E se de acordo com a tradição moçambicana de que as mulheres viúvas são feiticeiras acusadas de ter dentes feiticeiros para triturar cadáveres dos maridos nas orgias fantásticas (CHIZIANE, 2004, p.296), Rami incorpora a morte simbólica de Tony e transforma-se em uma grande viúva, uma feiticeira mor capaz de triturar seu homem ainda em vida.

AS OUTRAS MULHERES DA HISTÓRIA

Em uma história sobre mulheres e sobre a tradição local (onde impera a crença na superioridade do homem), escrita por uma mulher ex-militante política que acredita no feminismo moderno e cita Beauvoir em sua obra, nada mais justo que dedicar aqui um espaço aos perfis das outras mulheres do livro Niketche: uma história de poligamia. O livro é repleto de personagens femininas que não foram colocadas na obra em vão. Rami já foi analisada em seu íntimo, em sua mudança, mas as outras mulheres da obra apresentam seus graus de importância, formando um elo, uma corrente poderosa no contexto da história.

Paulina Chiziane gritou contra o imperialismo e o colonialismo, desencantando-se com a guerra civil que arrasou o país. Todavia, seus livros nem sempre falam diretamente da guerra, mas de um país na miséria, relatando suas superstições e seus ritos religiosos. A mulher de sua terra ainda é a base de sua escrita. Sobre essa exaltação da condição feminina na literatura contemporânea, mesclando sentimentos com a realidade de um povo, Inocência Mata profere:

Agora as escritoras parecem querer ir para além da construção da Nação solapando-a: considerando o tangenciamento entre feminino e mulher, pode afirmar-se que trazem para a cena literária o sentimento individual em toda a sua plenitude (que não apenas aquela que revela do político-ideológico) e querem expandi-lo para lá do nacional e atingir primeiro a condição feminina, depois a condição humana, sem descurar a discussão incomoda dessa condição nas relações internas de poder que trazem ainda a marca da inquietação, numa garimpagem, ainda e sempre, de um "eu" profundamente interior (MATA, 2007, p.430).

Todavia, a estudiosa Gayatri Spivak (1995) aponta que por mais que se tente mostrar através da literatura (ou do que quer que seja) uma espécie de voz do reprimido, voz do subalterno, essa possibilidade de libertação jamais ocorrerá. No contexto da produção colonial, explica Spivak, o subalterno não pode falar, porque não tem história para contar, uma vez que a sua própria história não é, de fato, sua, sendo criada pelo dominador.

No problema relacionado ao gênero feminino, a sombra é ainda pior, pois quem irá ouvir esse clamor está inserido em um contexto social cheio de vícios. Só a fala não será suficiente para fazer um alerta se as cabeças que escutam estão formadas de acordo com a lógica dominante. Parece que Chiziane, mesmo assim, opta por tentar alertar, já que a mulher moçambicana vive uma vida dura demais. O regime patriarcal predominante no Sul impõe as normas da própria tradição e coloca a mulher em uma posição de conformismo diante de um casamento submisso. A mulher fica fadada a uma espécie de identidade doméstica e limitada. À mulher cabe apenas viver para servir. Com isso, Chiziane privilegia as suas personagens femininas, criando-as fortes e marcantes para que entrem em contraste com uma grande parte das mulheres de Moçambique que levam uma vida sem sentido. As personagens femininas de Chiziane não rompem radicalmente com a tradição, mas procuram dentro dessa mesma tradição uma forma de ruptura. É através dessa ruptura que suas personagens criarão força e novos caminhos para viver dentro do velho sistema de domínio. É mostrada, então, uma possibilidade de um futuro melhor.

Rami ao se descobrir casada com um polígamo com mais quatro esposas ilegítimas vai de encontro a todas elas. A curiosidade mórbida de quem é traída dá espaço a uma espécie de compaixão feminina, uma vez que Rami entende que todas são tão vítimas de Tony quanto ela mesma. Rami é mulher do Sul que acreditava ter um marido só dela com o casamento fincado na base da tradição cristã monogâmica e, ao descobrir a realidade sobre o marido, a narradora-personagem questiona o papel da mulher na sociedade moçambicana, assim como toda a hipocrisia da sociedade que a rodeia. Rami apresenta nível social superior à da imensa maioria das mulheres do país por Tony ser um alto funcionário da polícia em Maputo. Com vinte anos de casamento, aliança no dedo e sendo mãe de muitos filhos, Rami é desprezada pelo marido. Ela desconfia de pequenas aventuras extraconjugais de Tony e choca-se ao ver que as aventuras são, de fato, relações nas quais o marido cuida das amantes como esposas, servindo-se da aceitação de uma sociedade que considera a poligamia um direito do homem. O processo de questionamento faz com que os problemas da tradição daquela sociedade sejam expostos. Em Moçambique, há enormes diferenças culturais: o Norte é uma região matriarcal, onde as mulheres têm mais liberdade, enquanto o Sul e o Centro são regiões patriarcais, extremamente machistas. A narrativa de Niketche ocorre na cidade de Maputo, uma cidade bastante machista, na qual a mulher, além de cozinhar e lavar, para servir uma refeição ao marido tem de fazê-lo de joelhos.

De forma bastante perspicaz, Chiziane representa cada uma das esposas de Tony com etnias diferentes e demonstra, assim, que os problemas das mulheres em seu país se dão independentes da origem delas. Ju, Lu, Saly e Mauá, as outras esposas de Tony, vão passando de rivais para amigas ao longo da obra. É na aproximação de todas elas que Chiziane tem a oportunidade de mostrar Moçambique em suas diversidades culturais. Rami descobrir-se-á como pessoa. Na voz dada às excluídas da história de sua terra, ou seja, às mulheres moçambicanas. Chiziane desenvolve sua obra com a consciente visão de que "as culturas são fronteiras invisíveis construindo a fortaleza do mundo" (CHIZIANE, 2004, p. 39).

Aos poucos, Rami vai percebendo que Tony também era ausente para todas aquelas rivais. Todas aquelas mulheres são sozinhas e carentes. A ausência do homem é uma realidade para todas essas mulheres que vivem na mendicância de amor. Ju declara sabiamente: nós somos mulheres de ninguém, mulheres sozinhas com uma cruz às costas (id. ibid., p.141), quando Tony exige a obediência conjugal delas. Por sua vez, Lu conta à Rami que aceitou a condição de Tony, porque em sua terra, a Zambésia, a poligamia era normal e seus oito irmãos são frutos poligâmicos, cada um com seu pai. Na minha aldeia, poligamia é o mesmo que partilhar recursos escassos (id. ibid., p. 55), comenta Lu. Homem é um recurso escasso em uma terra onde milhares morreram na guerra, muitos ficaram mutilados, outros tantos emigraram e, para atrapalhar mais a situação, também nascem mais mulheres que homens. As mulheres parecem aceitar compartilhar seus maridos umas com as outras, embora a poligamia venha de muito tempo atrás, quando os cultores do Islã desceram a África com suas crenças. Em busca de um pouco de amor e de condições financeiras mais sólidas, as rivais embarcaram na poligamia como salvação social. Ao passo que conhece melhor suas rivais, Rami conforma-se com a poligamia nada oficial ou convencional de Tony. Do seu jeito, reverte o jogo para tornar públicas as relações poligâmicas do marido. Rami até se encanta com o fato de ser a primeira esposa, a primeira dama, a rainha dentro de uma família formada pela poligamia:

O coração do meu Tony é uma constelação de cinco pontos. Um pentágono. Eu, Rami, sou a primeira dama, a rainha mãe. Depois vem a Julieta, a enganada, ocupando o posto de segunda dama. Segue-se a Luísa, a desejada, no lugar de terceira dama. A Saly, a apetecida, é a quarta. Finalmente a Mauá Sualé, a amada, a caçulinha, recém-adquirida. O nosso lar é um polígono de seis pontos. É polígamo. Um hexágono amoroso. (CHIZIANE, 2004, p.58)

A sogra de Rami é uma personagem importante para mostrar a mente da mulher moçambicana de Maputo que acredita nas tradições do passado. A sogra fala à Rami: O meu Tony, ao lobolar cinco mulheres, subiu ao cimo do monte. Ele é a estrela que brilha no alto e como tal deve ser tratado. E tu, Rami, és a primeira. És o pilar desta família. Todas estas mulheres giram à tua volta e te devem obediência (id. ibid., p.125-126). Lobolo é o dote que o homem dá à mulher ao casar, mas lobolar aqui serve também para definir quem sustenta um lar. Assim, Rami vai entrar em contato com séculos de tradição e de costumes. Rami passa a liderar, comandar e orientar as outras mulheres nos ritos, nos hábitos alimentares e na plena satisfação do marido. E com a sogra, recebe a revelação de que os antepassados guiaram os seus passos para a reunião da grande família, no grande dia. Pela voz da sogra, vê a sua condição de mulher traída e abandonada ser transformada, pois, em condição de uma grande mulher.

A mãe de Rami também contribui para mostrar que até a mulher mais velha e experiente não aceita o peso das práticas tradicionais que permitem ao homem castigar severamente a mulher desobediente aos ritos. Sua mãe não acha justo, porém cumpre os preceitos sociais por uma questão de sobrevivência. Sobre a mãe e sobre as outras mulheres dessa sociedade, Rami conclui ao final do capítulo doze:

Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes. Sopro de silêncio que dá a luz ao mundo. Estrelas brilhando no céu, ofuscadas por nuvens malditas. Almas sofrendo na sombra do céu. O baú lacrado, escondido neste velho coração, hoje se abriu um pouco, para revelar o canto das gerações. Mulheres de ontem, de hoje e de amanhã, cantando a mesma sinfonia, sem esperança de mudanças (CHIZIANE, 2004, p. 101).

Eva, a mulata, é uma das últimas amantes de Tony que surgem na obra. A presença dessa mulher é essencial à Rami, pois serve de inspiração e também serve de espelho. Mulher independente e com uma condição econômica confortável, Eva não se vê submetida aos caprichos machistas de Tony. Esse, por sua vez, não consegue sequer admiti-la como amante tal qual é o seu caráter superior e indomado. Eva, que ironicamente faz alusão ao nome da primeira mulher que habitou a terra segundo a Bíblia, é uma espécie de primeira mulher possível e cultuada para aquela sociedade que escraviza as mulheres em geral. Se a Eva bíblica personifica a inferioridade da mulher, na Eva de Chiziane há uma inversão de valores que exalta a mulher como dona de suas ações. Eva é o exemplo da mulher que se fez e escolheu a forma de vida que queria. Tony descreve-a com as seguintes palavras:

Ele conta a história toda. Ela não é analfabeta, explica, tem muito estudo, é doutora. É diretora de uma empresa, é rica. De mim, não tira, pelo contrário, dá. Mas é uma pobre mulher. Porque não tem marido. Porque não tem filhos. Pobre, de alma à deriva do azul da vida. Sem âncora. Sem pai nem mãe. Ela só tem dinheiro, muito dinheiro, e por isso dei-lhe a esmola da minha companhia (id. ibid., p.145).

Como um verdadeiro "bom moço", Tony acredita que realmente fez favores à Eva ao lhe dar a sua companhia. A ironia da história dá-se na "forma sensível" de Tony "ajudar" uma mulher, logo ele que mais soube maltratar as mulheres que possuía. Também, ironicamente, Rami pontua: Nos nossos olhos ele já não é um homem. É um super-homem, lendário herói, defensor de almas solitárias, que dá o seu oxigênio para que as plantas não morram. Os nossos ouvidos estão suspensos entre a verdade e a mentira (CHIZIANE, 2004, p. 145).

O encontro de Rami com tia Maria, irmã de sua mãe, talvez seja o mais inspirador à protagonista devido aos relatos feitos por sua tia. Tia Maria fala da sua boa experiência como mulher de polígamo. Ela se tornara, ainda menina, a vigésima quinta esposa de um rei: No nosso mundo não havia haréns (...). Eram famílias verdadeiras, onde havia democracia social. Cada mulher tinha a sua casa, seus filhos e suas propriedades. Tínhamos o nosso órgão – assembleia das esposas do rei (id. ibid., p.71). Tia Maria fala da poligamia com alegria e vê vantagens nesse sistema. Ela acredita na poligamia como uma forma de fazer com que as mulheres realmente se unam no seio familiar contra toda imposição masculina. Rami seguiu esses rumos de união e criou uma espécie de "assembleia das esposas de Tony".

TONY: O SUPER-HOMEM ALCIFICADO NO ÉDEN DA PRAÇA

Tony vive pela tradição e pela própria tradição é derrubado. Rami se aproveita da tradição que sempre a sufocou para inverter as posições. Tony criou sua família poligâmica sem considerar as regras oficiais da poligamia, ou seja, nenhuma de suas esposas foi escolhida por Rami (que deveria tê-lo feito devido ao posto de primeira dama). No momento que Rami assume a posição de primeira mulher de um polígamo, considerando a saída de Lu da família, parte em busca de uma nova companheira para o marido. Tony se recusa a aceitar a pretendente apresentada apesar de se sentir atraído pela mesma. Tony expõe que seu prazer é o da conquista: Peço-vos perdão se vos desiludi. Mas gosto do amor com sabor a conquista e não posso aceitar que coloquem uma mulher em meus braços. Eu sou um lobo. Tubarão. Falcão. Gosto de debater-me com a presa no acto da caça. Sou macho, ainda (CHIZIANE, 2004, p.325). Com isso, suas mulheres revoltam-se e exigem ter um assistente conjugal conforme manda a tradição da poligamia. Mais adiante, Ju, Mauá e Saly confessam ao marido que já possuem seus respectivos assistentes. É o começo da queda de Tony, o início de sua derrocada. Com a mudança de Rami ao longo da história, podemos dizer que todos os outros personagens do livro Niketche: uma história de poligamia ou acompanham essa mudança ou sofrem as consequências da mesma. Sobre as outras mulheres de Tony afirmamos que elas evoluem com Rami. Todavia, Tony é o personagem que sofre física e psicologicamente por causa da nova postura da protagonista do romance. Tony era o grande rei em seu harém. Suas mulheres serviam-no e disputavam o seu carinho. Chegaram a lutar fisicamente com Rami quando descobertas. Tinham em Tony não só os motivos para viver o amor (mesmo que fosse em migalhas) como também tinham a base financeira de suas sobrevivências. Aos poucos, tudo vai se invertendo. A primeira grande mudança, ou seja, a mudança financeira chegou para somar e dar forças para essas mulheres, então, desiludidas com a vida. A partir do ponto de independência financeira delas, o reinado de Tony começa a se fragmentar. Mais confiantes, suas mulheres seguem em busca delas mesmas dentro da sociedade repressora moçambicana e lutam por seus espaços de liberdade e independência no mundo de imposições masculinas. Chiziane aponta como lição primordial de sua obra que as mulheres unidas podem e devem melhorar o mundo em que vivem. A respeito do rumo que cada uma delas segue, Rami discorre o seguinte:

A Lu, a desejada, partiu para os braços de outro com véu e grinalda. A Ju, a enganada, está loucamente apaixonada por um velho português cheio de dinheiro. A Saly, a apetecida, enfeitiçou o padre italiano que até deixou a batina só por amor a ela. A Mauá, a amada, ama outro alguém (CHIZIANE, 2004, p.332).

Suas rivais e parceiras transformam-se em mulheres prontas para a vida. Agora, uma vida diferente na qual não são dominadas e podem exercer o direito de escolha. Nessa mistura de atitudes e sentimentos, ainda ao final da obra, não sabemos se Tony é o grande vilão da trama ou uma vítima da tradição daquela parte de seu país. Tony é destronado, abandonado, preterido e trocado por todas as suas mulheres e, em uma incrível inversão de papéis e sentimentos, como homem, sente na pele o dissabor da vida que é imposto às mulheres africanas. Tony sofre por se ver sozinho. Rami conclui o seguinte de suas companheiras: Todas elas vieram e pousaram no meu tecto (...). Agora levantaram voo uma atrás da outra. Todas amaram o meu homem, sugaram-lhe todo o mel e partiram. Agora está à beira do abismo. Treme, pede socorro (id. ibid., p. 332).

Rami mostra no romance o pensamento social: (...) culpam as mulheres de todos os infortúnios da natureza. Quando não chove, a culpa é delas. Quando há cheias, a culpa é delas. (id. ibid., p. 36). Fadadas por esse peso da culpa em suas vidas, as mulheres precisam aprender a viver com essa imposição. Biblicamente, a mulher já recebe toda a culpa do peso do mundo por conduzir o pecado original. Adão rejeita a sua responsabilidade e transfere toda a responsabilidade à primeira mulher da humanidade, ou seja, à Eva. Daí retomamos a importância de Eva, a amante mulata de Tony, no livro. Eva, a amante, não é igual à Eva bíblica, pois não é vítima da situação e sim, agente, atuante. Tony suplica pela confirmação de que o filho seja dele ao descobrir que Rami está grávida. Chiziane constrói um cenário quase bíblico para a conversa de Rami e Tony:

Caminhamos até o jardim público. No jardim não havia gente. Éramos só nós e as plantas naquele paraíso chuvoso, expondo o fogo dos corpos no frio do mundo. Ficamos abraçados um longo tempo, ouvindo a voz de Deus ordenando trovões, luzes, águas, no acto da criação. Éramos barro fundido num só monte, ele Adão e eu a serpente, à beira do pecado original. Tenta arrancar de mim uma gota de amor, uma palavra de reconciliação. A sua boca ressequida cola-se à minha num beijo divino. (id. ibid., p. 332)

Ao descobrir a gravidez de Rami, Tony espera desesperadamente ser o pai da criança e, assim, ser salvo de sua miséria humana. Nesse momento, Rami deixa de ser a serpente e transforma-se em Eva – uma Eva moderna, diferente e purificada pela chuva daquele miniparaíso em que se encontram. E, na Eva mulata amante, Rami também se inspira, atuando no último capítulo do livro como uma mulher decidida e decisiva diante da situação que surge, sendo a dona da situação com o pedido de socorro de Tony:

Meu Deus, eu sou poderosa, eu sinto que posso salvá-lo desta queda! Tenho nas mãos a fórmula mágica. Dizer sim e resgatá-lo. Dizer não e perdê-lo. Mas eu o perdi muito antes de o encontrar. Ignorou-me muito antes de me conhecer. (CHIZIANE, 2004, p.332-333)

Mais uma vez Chiziane envereda-se pela ironia e lança mão da marca machista da sociedade para justificar a atitude de Rami para Tony quando ela diz: - Não te posso salvar. Tento salvar-te mas não consigo, não tenho força, sou fraca, não existo, sou mulher. Os homens é que salvam as mulheres, não o contrário (id. ibid., p. 333). Quando Rami responde que o filho é de seu irmão Levy, Tony vê o seu trono em ruínas. Rami dá o seu golpe de misericórdia.

Tony se transforma no super-homem calcificado no éden da praça (id. ibid., p.333). A tradição guia a vida de Tony e, ao mesmo tempo, a destrói. Tony pede perdão e pede salvação. Rami não perdoa e salva a si mesma.

Através de sua protagonista, Paulina Chiziane mostra que a mulher não precisa lutar de forma direta contra uma estrutura social para poder dar a volta por cima. Rami e as companheiras mostram a verdadeira força que possuem. Aquilo que podia se resumir a uma história triste e de sofrimento acaba por se tornar uma história de coragem e de esperança. Rami não rompe diretamente com a tradição, mas através de uma ruptura das convenções encontra um caminho para conseguir viver dentro daquilo que a tradição ditava como correto. Rami encontra possibilidades para si mesma e para as suas ex-rivais. Dessa forma, ela repensa a sociedade e os conceitos referentes à cultura moçambicana. Essa é uma forma de reivindicar suas existências e de chamar a atenção do homem local para que as olhem de forma mais humana. Aos poucos, tudo vai se invertendo. O reinado de Tony começa a se fragmentar. O harém desmancha-se. De todo o seu reinado, Tony passa a ter nada e ninguém. Com isso, a história chega ao seu fim com aquele sentimento da alma feminina lavada.

Patrícia Maria dos Santos Santana
Pós-graduada em Docência do Ensino Superior e em Língua Inglesa;
Mestranda em Letras e Ciências Humanas pela UNIGRANRIO.

Referências:

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